Uma metamorfose chamada Elena
Recentemente, ela deixou a presidência do Conselho de Administração da Eletrobras (foi a primeira mulher a assumir o cargo) e assinou, com outros economistas tucanos, manifesto sugerindo que o PSDB deixe o governo. Elena, que integrou a equipe do Plano Real com colegas da PUC do Rio, revela que já foi petista e que tinha um pôster de Lula em seu quarto quando cursava o doutorado em economia no Massachusetts Institute of Technology (MIT), no início dos anos oitenta.
Nascida em 1958 numa família de botafoguenses fanáticos, Elena adora esportes e já praticou tênis, natação e vôlei. A paixão em comum pelo Botafogo, conta, fez com que se tornasse grande amiga de José Eduardo Dutra, presidente da Petrobras na primeira gestão de Lula. O amor pelo time venceu as rivalidades ideológicas. Com bom humor, ela conta que foi à sede da estatal, já como consultora do Botafogo, acompanhando o então presidente do clube, Bebeto de Freitas. Tentavam um patrocínio para o time.
“Argumentei (para o Bebeto) que, pelo meu passado (como ex-diretora de Desestatização do BNDES), seria colocada porta afora. Mas fui ao encontro, mesmo assim. Naquele dia, (José Eduardo) Dutra disse que eu o tinha conquistado, anos antes, com uma entrevista em que defendi que a Vale do Rio Doce podia ser vendida, mas o zagueiro Gonçalves (campeão pelo Botafogo clube em 1995), não. Aí eu retruquei: E eu não estava com razão? A Vale, que foi privatizada (em 1997), ganhou muito dinheiro e o Botafogo vendeu o Gonçalves e foi parar na segunda divisão. Aquele foi o começo de uma grande amizade que perdurou até ele (Dutra) falecer (em 2015).”
Como foi sua entrada nos 50 anos?
Minha necessidade de mudança aconteceu um pouco antes dos 50. Aos 44 anos, com uma carreira de economista consolidada, retornei à universidade para estudar Direito e me formei em 2006, aos 48 anos. Fui morar em Londres para acompanhar o Pérsio (o economista Pérsio Arida, que tinha comandado o BNDES e o Banco Central nos anos 90), com quem eu estava casada. Meu único filho tinha saído de casa para morar com amigos num apartamento no Jardim Botânico. Parei de trabalhar fora, assumi as tarefas de dona de casa em Londres e aproveitei para fazer minha monografia e escrever um livro sobre o setor elétrico. Voltei para o Brasil aos 51 anos.
Por que, tendo uma carreira consolidada de economista, resolveu estudar Direito?
Depois que saí do BNDES (ela foi diretora do banco e responsável pelo Programa Nacional de Desestatização de 1994 a 1996), fui buscar outros desafios. Um deles foi ser palpiteira em clubes de futebol. Também dei consultorias a empresas. Mas não gostei. Detesto vender ou pedir coisas. Minha grande frustração é não ter sido jornalista. Resolvi estudar Direito porque queria dar uma guinada na minha vida profissional. Logo no primeiro período, senti necessidade de aprender mais do que estava sendo oferecido em sala de aula e pedi a um professor que me indicasse livros. Ele respondeu que eu devia esperar. Busquei então outras fontes de informação. O advogado Sérgio Bermudes ofereceu seu escritório para eu estudar. Fui ficando. É a relação profissional mais duradoura que já tive.
O colunista Artur Xexéo a descreveu como a advogada mais economista do país….
Eu sou uma economista ampliada ou uma advogada com cabeça de economista. Não é possível iniciar uma discussão judicial sem pensar antes em quem vai pagar a conta.
Apelidada de “musa das privatizações”, você também foi muito criticada pelos seus adversários. Como lidou com a exposição pública no período do BNDES?
Assumi a diretoria do BNDES sem noção do que teria pela frente, e me submeti a uma exposição absurda. Agia por instinto. Graças a Deus, ainda não existiam as redes sociais. Os tempos eram outros e as discussões não eram acirradas como agora. No dia em que deixei o cargo, passei em frente a uma banca de jornal e me deparei com a seguinte manchete da Tribuna da Imprensa, do jornalista Helio Fernandes: “Cai a carrasca das estatais”. Comprei um exemplar. Vinda do Helio Fernandes, achei genial. Quando a maturidade vem junto com o respeito profissional, com o apaziguamento com sua historia, ela lhe dá mais liberdade para expressar o pensamento.
Você já foi descrita como uma pessoa intensa. Continua assim, ou mudou após os 50?
Eu me acalmei um pouco. Na infância, fui uma aluna hiperativa e frequentemente era expulsa de sala. Era bagunceira, mas tirava notas boas. Passei por sete colégios. No quinto ano, criei um time de futebol da escola em Piracicaba, no interior de São Paulo. Voltei para o Rio de Janeiro aos 11. Era uma garota alta (hoje, ela mede 1,77cm) e magrela, enquanto minhas colegas já tinham menstruado e usavam sutiã. Depois dos 50 anos, fiquei mais ponderada e passei a refletir melhor sobre meus atos. Tornei-me menos impulsiva. Perto dos 50 anos, comecei a fazer meditação. No réveillon de 2006, passei cinco dias meditando na Floresta Negra, na Alemanha, com um guru. Telefonei para meu filho para desejar Feliz Ano Novo. Um amigo dele, acostumado com a minha agitação, atendeu o telefone e duvidou que fosse eu. Estava calma demais.
Minha necessidade de mudança aconteceu um pouco antes dos 50. Aos 44 anos, com uma carreira de economista consolidada, retornei à universidade para estudar Direito e me formei em 2006, aos 48 anos. Fui morar em Londres para acompanhar o Pérsio (o economista Pérsio Arida)
Você já teve, praticamente, cinco casamentos. É do tipo que gosta mais de casar do que de namorar?
Comecei a namorar aos 14 anos e me casei oficialmente pela primeira vez aos 22, mas o casamento só durou três meses. Na faculdade, namorei o Arminio Fraga (que viria a ser presidente do Banco Central em 1999). Arminio tinha sido meu colega do Colégio Santo Inácio e decidi cursar a faculdade de Economia por influência dele. O segundo marido foi o pai do meu filho. Eu o conhecia de longe no Bar Lagoa (Zona Sul do Rio de Janeiro). Era o homem mais bonito que tinha visto. Nunca fui de me interessar por homem bonito…. Tínhamos um grupo de economistas que costumava sair para dançar na Lapa. Um dia, estávamos demorando a sair porque faltava um rapaz chamado Oswaldo. Aí eu pensei, um cara chamado Oswaldo não merece ser esperado…. De repente, toca a campainha. Era ele, o cara do Bar Lagoa! Ficamos juntos por seis anos. Acabei indo fazer o doutorado no MIT e Oswaldo vendeu sua Brasília amarela e foi me encontrar. Mas não deu muito certo. Ele passou quatro meses nos EUA e voltou. Até que um dia, me ligou e propôs: “volta e casa comigo?” Vim para o Brasil para avaliar e decidi não voltar. Era o auge da recessão de 1982/83, a gente não tinha nada melhor para fazer, não tinha emprego, e acabei engravidando. Fui trabalhar de analista de crédito do Banco de Boston e queria morrer de tristeza. Aí o Regis (Regis Bonelli, hoje economista da FGV) me liga e diz que tinha conseguido um trabalho no Ipea.
O casamento com o Oswaldo me deu meu único filho. Depois de seis anos, nos separamos… Eu estava com 28. Um dia, participava de um seminário e fui criticada por um “paper” (documento) que apresentei. O Regis estava na plateia e foi me consolar. Consolo vai, consolo vem… Nunca pude imaginar que ia namorar o Regis porque éramos hiperamigos e também porque muitos conhecidos esperavam que eu reatasse com o Oswaldo.
E dá certo esse negócio de casar com hiperamigo?
O Regis é um amor. Ficamos juntos uns oito anos… A gente não tem essa marcação do tempo de casado porque começamos a morar em casas separadas e depois fomos morar junto. Mais tarde, conheci o Pérsio (Pérsio Arida, economista, um dos formuladores do Plano Real).
Paixão é paixão… Vai fazer o quê?
Pois é. Com o Pérsio ocorreu um desses encontros… Ficamos quase 20 anos juntos e estamos separados há cinco.
Você se casaria de novo?
Não, casar não caso mais, mas estou namorando o cineasta Miguel Faria Jr. (diretor, entre outros trabalhos, do documentário sobre a vida de Chico Buarque). Mas eu e Pérsio temos uma amizade para o resto da vida.
Você é amiga de todos os seus ex?
Menos do primeiro. De todos os outros, sim.
Você não quis ter mais filhos?
Meu filho João pergunta a mesma coisa. E aí eu respondo: “Acho que é porque eu não ia conseguir amar um segundo como amo você”. Na verdade, eu e o Oswaldo pensamos em ter um segundo filho, mas a gente estava quebrado. Morávamos em um quarto e sala, não tínhamos empregada, não tínhamos nada…
Mas você se arrepende?
O Regis já tinha três filhos. Com o Pérsio, cheguei a planejar, mas a gente se mudou para São Paulo e meu filho não se adaptou. Tive que voltar para o Rio. Eu já estava com 39 para 40 anos e o João era adolescente, com 13 anos. Aí pensei: não vou ter um filho na ponte aérea. Depois, tive um mioma, tirei o útero, e perdi a possibilidade de ter o segundo filho.
Eu assumi os papéis femininos tradicionais. Sou a única mulher de quatro filhos e cuidei do meu pai quando ele descobriu que estava com câncer. Sempre estive disponível 24h por dia para o meu filho João e agora para minha nora e para o meu neto. Para os meus maridos, também completamente disponível. Não cozinho porque não sei.
Como está sendo se apaixonar de novo nesta fase da vida?
Gostoso, né? O Miguel apareceu na hora em que tinha que aparecer… Estava há um ano separada do Pérsio. Foi por acaso, uma dessas coisas do destino. Eu já o conhecia de vista, de Ipanema… Em Ipanema todo mundo se conhece. E acabamos nos encontrando numa festa de casamento. Aconteceu mais ou menos como foi com o Oswaldo: a gente saiu no primeiro dia e não se largou a partir daí. É diferente de um sentimento que você tem com 30 anos, que você larga família, filho… Mas, se isso tem a ver com o tamanho do amor, eu não sei dizer.
A paixão cega?
Não… Acho que essa coisa de paixão cega acontece “just once in a lifetime”. É bom, de vez em quando, estar sozinha, em casa, ter seus momentos… Isso é uma coisa dos 50 anos… Você começa a sair com um grupo de amigas mulheres, tem essa liberdade de sair sozinha… Antigamente eu só tinha amigo homem, só saía com homens.
Você voltou a fazer mais amizades femininas?
Voltei… a gente sai em grupo para beber, falar besteira, contar piada…
E aplicativo para namorar?
Nunca usei. Essa coisa de desconhecido, para mim, não rola. A primeira coisa que me atrai num homem é o intelecto. Depois, vem o resto. Como vai descobrir essa pessoa pelo aplicativo?
Qual a diferença entre ser mãe e avó? O seu neto Pedro está com cinco semanas…
É muito diferente. Eu fiz cesariana no parto do João. Quando a criança sai da sua barriga e vem para você, muda tudo. Você não é mais uma pessoa do mundo, você está ligado para sempre àquele ser. Eu tive dois momentos recentes de grande emoção com o meu filho: quando ele disse que eu ia ser avó e quando ele saiu da sala de parto com o meu neto no colo. O olhar dele para aquela criança mostra que a vida dele mudou. (Elena mostra a foto do filho pequeno no colo do pai e outra do filho com o neto no colo na sala de parto)
A Elena é mulherzinha?
Sou supercuidadosa, e cuido dos meus homens. Lógico, faço botox, preenchimento, ginástica todos os dias, pilates, vou à nutricionista uma vez por mês. Adoro roupa, bijuteria, tenho um complexo danado com o meu cabelo, que me persegue desde os cinco anos. A sorte é que eu tive uma mãe que me botava para cima e dizia que meu cabelo era lindo. Gosto que me chamem de gostosa na rua… Não me sinto desrespeitada… Tenho o maior respeito pelas pessoas que se sentem ofendidas, acho bonito as meninas se posicionarem, mas eu não me incomodo. É óbvio que, se você precisar radicalizar para impedir a agressão à mulher, eu apoio. Cresci num meio em que isso não era considerado agressão à mulher. Sou judia e cresci ouvindo piada de judeu. Na minha casa nunca teve preconceito de qualquer espécie. Eu assumi os papéis femininos tradicionais. Sou a única mulher de quatro filhos e cuidei do meu pai quando ele descobriu que estava com câncer. Sempre estive disponível 24h por dia para o meu filho João e agora para minha nora e para o meu neto. Para os meus maridos, também completamente disponível. Não cozinho porque não sei. Sou um pouco ríspida, o que cria certa confusão, mas minha família é meio italiana. Sempre fui muito vaidosa, dei uma puxadinha no rosto, não uso mais saia curta nem roupa cavada. Tem uns símbolos que vão sendo readequados com a idade.
Fiquei muito fragilizada (coma retirada do útero aos 41 anos). Então não tive o ciclo da menopausa, tive o ciclo do fim do sonho da maternidade. A melhor coisa que fiz na vida foi ser mãe.
Você concorda que após os 50 há uma reconciliação com o espelho?
Ah, sim. Hoje em dia me gosto mais.
Muitas mulheres se queixam que ficam invisíveis após os 50. Você concorda?
Mais ou menos…. Eu comecei a namorar o Miguel tinha 57 anos.
Que idade ele tem?
Ele tem 72 anos. Mais ou menos a mesma diferença que eu tinha para o Regis Bonelli. Acho o Miguel um gato. Agora, em parte, você tem razão. Tenho uma amiga que se separou com 48 anos e levou um tempão para namorar de novo. Ela dizia que não tinha queimado sutiã, mas ia queimar caixa de Viagra. Sim, porque o Viagra mudou as relações e ampliou as possibilidades para os homens. Por outro lado, as mulheres perderam o medo de saírem sozinhas.
Então, você viveu antecipadamente as mudanças dos 50?
Tive que tirar o útero aos 41 anos, mas acredito que minha menopausa aconteceu entre os 48 e os 50 anos, por causa dos calores. Faço reposição hormonal porque não tenho risco de câncer de útero nem de mamas. Fiz mastectomia preventiva aos 49 anos, por recomendação médica, depois de desenvolver várias calcificações. Depois, reconstruí.
Deus me livre de vida estabilizada. Penso em participar mais da vida pública e em voltar a escrever. A gente tem que estar aberto a tudo, o tempo todo.
A mastectomia mexeu muito com você?
Muito. Quando tirei o útero, chorava loucamente porque ainda tinha esperança de ter filhos. Tinha 41 anos, estava saudável, mas o mioma foi crescendo. Fiquei muito fragilizada. Então não tive o ciclo da menopausa, tive o ciclo do fim do sonho da maternidade. A melhor coisa que fiz na vida foi ser mãe. A mastectomia, por sua vez, é traumática, uma amputação. Você perde um pedaço da sua feminilidade, da sua sexualidade. Essa mensagem, passada pela Angelina Jolie, de que é um processo tranquilo, é uma mentira. Ela prestou um desserviço. É preciso mostrar a realidade. Mas não me arrependo de ter feito porque, do contrário, ia viver com uma espada na cabeça. Outra experiência traumática foi a plástica no rosto. Dói muito. Fiquei muito inchada, tive depressão e não saía do quarto. Não há vaidade que me faça passar por isso de novo. Tenho os meus limites na relação com o corpo.
Sua vida se estabilizou ou está aberta a novos projetos?
Deus me livre de vida estabilizada. Penso em participar mais da vida pública e em voltar a escrever. A gente tem que estar aberto a tudo, o tempo todo. Agora que estou prestes a entrar nos 60 anos, tenho que aprender a envelhecer, a aceitar as mudanças do corpo e as rugas, mas isso não tem nada a ver com estar fechada a projetos. Posso fazer qualquer coisa. Sou uma metamorfose ambulante.
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