No garimpo, histórias de luta e superação
Em Nova Era (Minas Gerais), mulheres na virada dos 50 anos conquistam independência financeira, mas enfrentam a solidão
Prestes a completar 51 anos, Maria Aparecida da Silva está descobrindo pequenos prazeres em sua dura rotina no garimpo de esmeraldas de Nova Era, a 150 Km de Belo Horizonte (Minas Gerais).
Há um ano, ela denunciou o marido à polícia, por agressão, e pôs fim a três décadas de um relacionamento violento.
“Apanhei dele a minha vida inteira, mas também bati. Eu não procurava briga. Só revidava. Ele é um homem forte e tinha dia em que achava que não ia aguentar”. Os dois brigavam por ciúmes.
Ela conta que teve pai violento e que foi agredida por ele até se casar. A partir de então, passou a sofrer nas mãos do marido.
Um dia, no início de 2015, depois de mais uma surra, tomou a decisão de pôr fim às agressões e procurou a delegacia policial de Nova Era. Na ocasião, estava com 49 anos. “Eu prometi a mim mesma que não passaria o resto da minha apanhando de homem”. O ex-marido foi enquadrado na Lei Maria da Penha, e saiu de casa.
Com os três filhos já casados, Maria Aparecida se viu só, pela primeira vez, e temeu não ser capaz de sobreviver.
Mas, como na música Olhos nos Olhos, de Chico Buarque de Holanda, a vida dela começou a melhorar depois que o marido se foi e ela se descobriu mais feliz, capaz e até mais bonita.
“Eu pensava que, sem ele, ia morrer, que não ia conseguir pôr comida em casa. Mas, estou achando minha vida excelente. Durmo melhor, como melhor e tenho orgulho de mim por isso. ”
Ela relata outra mudança em sua vida, aos 50 anos de idade: aprendeu a acessar as redes sociais pelo celular, encontrou antigos colegas de infância, fez novas amizades e, segundo diz, vem se abrindo para o mundo.
Maria Aparecida nasceu na zona rural de Itabira e estudou até a quarta série do ensino fundamental. Filha de trabalhadores rurais, teve sete irmãos, dos quais três morreram ainda crianças. Diz que trabalha desde a infância. Foi lavradora, garimpeira e atualmente é cozinheira no garimpo. Trocou a remuneração incerta por um ganho fixo.
“Quando você me quiser rever
Já vai me encontrar refeita, pode crer
Olhos nos olhos, quero ver o que você faz
Ao sentir que sem você eu passo bem demais”Trecho da letra de Olhos nos Olhos, de Chico Buarque
Realidade hostil
O garimpo é um mundo hostil às mulheres e o de Nova Era não foge à regra. Oficialmente, o garimpo pertence a uma cooperativa, mas, na prática, a atividade é controlada por empresas e os garimpeiros são trabalhadores informais, que arriscam a vida na esperança de encontrar uma pedra de alto valor e enriquecer.
O garimpo de esmeraldas fica no distrito de Capoeirana, a oito quilômetros da cidade de Nova Era, e foi descoberto no fim dos anos 1980. Estive lá, pela primeira vez, em março de 1995, quando mais de três mil pessoas se aglomeravam em casebres improvisados.
Voltei em fevereiro de 2016. O cenário estava mudado. Encontrei uma vila, com casas de madeira e de alvenaria, com luz elétrica. Menos de mil pessoas moram atualmente no local, mas tudo pode mudar de uma hora para outra. Se for descoberto um filão de esmeraldas – o que ocorre de tempos em tempos – a notícia se espalha e milhares de aventureiros correm para o local, para tentar a sorte.
Não é incomum encontrar mulheres nos garimpos, mas só permanecem na atividade as que aprendem a se impor.
É nesse mundo masculino e rude que encontro a cearense Joana Darc Barbosa, de 58 anos, proprietária de uma área de exploração. Ou seja, ela está no topo da pirâmide econômica do garimpo e tem 40 homens sob seu comando.
É uma mulher de hábitos simples, porém vaidosa. Enfeita-se com joias feitas de pequenas esmeraldas, mantém as unhas pintadas e as sobrancelhas delineadas.
A camiseta, com uma enorme estampa de onça é, de certo modo, reveladora de seu temperamento.
“Sou durona e enfrento o que vier. Não preciso brigar com os homens porque eles me respeitam”, afirma. Ela conta que muitos garimpeiros consomem álcool e drogas, mas ela não admite o consumo no local de trabalho. “O que eles fazem do portão para fora não me interessa”, acrescenta.
Joana tem muito em comum com a cozinheira Maria Aparecida. Nascida no Crato, no interior do Ceará, também só estudou até o quarto ano do ensino fundamental e saiu de casa aos 15 anos, segundo ela, porque o pai a mandou obter o próprio sustento. “Me senti perdida, mas me achei.”
Uma amiga a levou para o garimpo da Serra da Carnaíba, na Bahia, onde iniciou seu aprendizado sobre a extração da esmeralda. Passou por todas as etapas de trabalho no garimpo, até as mais perigosas, nos túneis subterrâneos, de até 300 metros de profundidade.
Teve uma vida agitada: foi empregada doméstica em São Paulo, não se adaptou ao trabalho fixo, e viveu vários anos no garimpo de Santa Terezinha, em Goiás, antes de estabelecer em Nova Era.
O marido e a outra
Esta mulher durona mostra mágoa do marido, o garimpeiro Bolinha, conhecido em Minas e na Bahia. O casal possui área de garimpo de esmeraldas também na Serra da Carnaíba (BA) e o marido, a propósito de cuidar do negócio, vive lá em companhia de uma mulher bem mais jovem.
Joana diz, em voz alta, que vai arrumar um companheiro e se não o fez ainda é porque não encontrou o “sapato certo” para seu pé. Não quer ser envolvida por algum pretendente interessado apenas em seu dinheiro.
Ela se ressente da solidão e diz que “até os animais” precisam de carinho. Vender a área no garimpo para curtir a vida, segundo ela, também está nos planos.
Uma frase poderia sintetizar as garimpeiras: mulheres duras de corações moles. Muitas se vangloriam da independência financeira, mas chegam aos 50 anos frustradas nas relações afetivas e buscando a independência também neste campo.
Alzeni Soares dos Santos, 55, por exemplo, teve três filhos, cada um de um pai, e ainda cria um sobrinho, cuja mãe morreu em acidente de moto nas proximidades do garimpo.
Possui um bar, onde serve refeições que ela própria prepara, e garimpa esmeraldas com a ajuda do sobrinho para complementar a renda. Calcula trabalhar 16 horas por dia e preza sua liberdade.
“Faço o que me der na cabeça. Não aceito ninguém mandar em mim. Só Deus. Sou livre. Conquistei essa liberdade”, afirma, resoluta.
Mas, ao ser perguntada sobre o que gostaria de mudar na vida, diz que precisa por fim a um relacionamento amoroso complicado. Evangélica, ela vive um impasse: não pode ser batizada por não ser oficialmente casada. Quer o batismo, mas não o casamento, e diz que terá de tomar uma decisão para ficar “confortável com Deus”.
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