Alquimia com temperos, palavras e cores
Mais uma história da série “Falando de câncer”: a jornalista Maria Zilma conta como enfrentou a doença com suavidade e firmeza desde o diagnóstico.
Sorriso largo, cabelos soltos, conversa cativante, Maria Zilma irradia alegria. Mas não é preciso ouvir seus relatos para começar a conhecê-la. Já na entrada do prédio, a moça na portaria dá a primeira pista: “Maria Zilma, nossa poeta? Todos aqui gostam muito dela”. No apartamento, novos indícios: plantas na varanda, quadros com cores vibrantes e trabalhos manuais, de sua autoria, em cada cômodo. Mas é na cozinha, em meio a potes com temperos e ervas, que Maria Zilma Barbosa se revela: ali, como gosta de dizer, ela faz sua “alquimia diária”, misturando sementes, temperos, frutas, sabores e cores.
Uma alquimia que, garante, foi um dos ingredientes fundamentais para enfrentar o câncer descoberto em 2010, aos 65 anos, mas que dera o primeiro sinal de alerta em 2009, quando um dos exames de rotina detectou o nódulo no seio esquerdo.
“Era benigno, mas a médica me orientou a observar a mama e, caso surgisse qualquer alteração, deveria voltar para nova consulta. Voltei no início de 2010, quando comecei a sentir dores no seio esquerdo. Dizem que câncer não dói, mas para mim doeu” — conta.
O médico solicitou uma mamografia. Tempo de espera para realizar o exame no hospital: seis meses. “Preocupada, conversei com minha família e decidimos fazer o exame num laboratório particular. Queria ter o diagnóstico o quanto antes”. E foi na companhia do filho Michael que ouviu o resultado: positivo para malignidade.
“Quando o médico falou em carcinoma, não consegui dizer uma única palavra. Tentava não me apavorar, nem ficar triste. Só consegui pedir a Deus que me desse tempo suficiente para viver e ter um neto.”
“O apoio da família e dos amigos é fundamental, mas é preciso acreditar que a cura é possível.”
Nada mais natural, para quem veio de uma família de 15 irmãos, do que o desejo de ver a família crescer. Nascida em Fortaleza, Maria Zilma mudou-se para o Rio em 1969, ao se casar. Seu marido já tinha um filho, Jonas, que ela passou a criar como filho. Depois vieram Marden e Michael.
Seu pai queria que fosse médica, mas sua paixão, desde pequena, eram as palavras. Abriu mão do curso de Medicina em Fortaleza e começou o de Jornalismo, concluído na UFRJ. “Disse ao meu pai que, Medicina, só a da alma. Queria ser escritora, criar histórias, fazer poesia. Foi o que fiz, apesar da pressão. Sempre gostei de desafios”, afirma.
E foi com essa mesma firmeza que, ainda no hospital, ao saber que o próximo passo seria a biópsia, decidiu como enfrentaria a doença. “Olhei para meu filho e disse: vai correr tudo bem. Iremos atravessar essa ponte e chegaremos do outro lado, tenho certeza. Pensei então: é um câncer e vou encarar todo e qualquer tratamento com fé, calma e coragem”.
Mas como ter calma e coragem nesse momento? Os que a conhecem sabem que já precisou ser forte antes, quando seu filho Marden, aos oito anos, morreu de leucemia. “Quem já passou pela perda de um filho, tem que ser forte. Na época, a médica foi cruel comigo, disse que ele não tinha nem dez dias. Viveu um ano e meio. Claro que fico triste e tenho momentos difíceis, mas tristeza demais traz doenças”.
A convicção de que alegria traz saúde, levou Maria Zilma a criar seu próprio roteiro de conversas nos consultórios médicos e hospitais que passou a frequentar. “Sempre que os pacientes começavam a falar só de morte e tristeza, eu já lançava minhas perguntas: Quer ouvir uma poesia? Que tal uma receita de feijoada de peixe? Ou prefere o silêncio? O clima sempre melhorava” — afirma.
A cirurgia, em 4 de agosto de 2010, foi no Hospital Naval Marcílio Dias. Ao saber que o tratamento seria por radioterapia, perguntou suas chances de cura. O médico respondeu que a cura dependeria 50% da medicina e 50% dela. Sua parte incluía abrir mão de dois prazeres: cozinhar (por causa do calor) e tomar vinho. “O médico até disse que eu poderia beber um pouco de vinho, mas não bebi. Difícil foi não cozinhar”, diz Maria Zilma, mostrando os vidros com temperos, sementes e ervas, cada um com uma etiqueta, informando as propriedades nutricionais.
A paixão pelas palavras ganhou força nas sessões de radioterapia. “Para ficar mais tranquila, levava um bloco de papel e escrevia poesia. Eu conversava com os pacientes, tentando não deixar a tristeza dominar esse momento da vida. Foi nesse período que escrevi várias poesias, entre elas: ‘Tudo passa! Tudo passa!’. Quando tive alta, imprimi várias cópias desse poema para serem distribuídas entre os pacientes” , conta.
Até a alta definitiva, foram mais cinco anos com medicamento diário e exames periódicos. “Voltei ao trabalho, na Revista Ciência Hoje, retomei minhas atividades e continuei minha vida, cada vez mais convicta de que bom astral e alegria são essenciais”, afirma. Nesse período, começou a pintar, ler, escrever poesias e contos para crianças. Voltou a usar suas panelas de barro e, para evitar o estresse, muita música: clássica, jazz, MPB. E viagens: Fortaleza, Natal e Chile. “Nas três viagens ao Chile, presente da minha amiga Fernandinha, conheci as casas de Pablo Neruda, visitei vinícolas, saboreei vinhos e passeei pelas belas ruas de Santiago. Esse foi um valioso presente para minha recuperação”.
Não faltam motivos para agradecer. A alta definitiva veio em 4 de abril deste ano. Mas tem mais, destaca ela: “O apoio, o carinho e o amor que recebi de meus filhos Jonas e Michael, de meus familiares e amigos foram fundamentais no tratamento. A gente esquece que pequenos momentos podem trazer grande felicidade e não aproveitamos”.
Seu grande presente, porém, chegou ainda na fase final do tratamento: o nascimento do neto João Pedro. “Ele é minha fonte de inspiração e de grande alegria. Adoro escrever histórias e canções de ninar para ele”.
Com mulheres que passam pelo mesmo problema, Maria Zilma recorre à sua alquimia particular, que mistura boa alimentação, fé e coragem. “O apoio da família e dos amigos é fundamental, mas é preciso acreditar que a cura é possível. Gosto muito de uma frase de Dostoiévski, que diz que ‘a vida é uma dádiva, a vida é uma felicidade, cada minuto poderia ser uma eternidade de felicidade’. Tudo passa. Eu também vou passar. Mas, até lá, que tenhamos bons momentos e boas lembranças”.
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