Adeus ao sutiã ou a vida sem peso
Pequeno relato de alguém que, aos 48 anos, recorreu à cirurgia plástica e transformou o item obrigatório em acessório decorativo e, melhor, opcional
Não sei precisar o momento da decisão. Sei que, durante anos, estive bem certa de que não faria, e com argumentos bem sólidos: craque em cirurgias inevitáveis, com o abdômen aberto três vezes no período de sete anos, entre os 30 e os 37, sei muito bem o quanto custa ao corpo voltar ao normal depois da rotina de anestesia, corte, sutura, retirada de pontos, cicatrização, anemia pela perda de sangue, gases incômodos, dependência completa por um certo período que parece eterno e outros detalhes que a gente nem imagina. Cirurgia é coisa séria e não seria uma vaidade qualquer que me levaria, de novo e sem necessidade, a um centro cirúrgico para encarar isso tudo que aprendi na marra.
Mas eis que na manhã do feriado de Corpus Christi, a quinta-feira 26 de maio de 2016, chego ao Hospital da Plástica, em Botafogo, Zona Sul do Rio, exames na sacola, risco cirúrgico em dia, jejum desde a meia-noite anterior, decidida e animadíssima para o que tomou contornos de alegre aventura e novas descobertas: reduzir o tamanho dos peitos.
Foi intenso – e relativamente curto – o processo que me levou até aquele momento. Sempre fui grande, alta, com fases acima do peso muito mais longas do que as que consigo ficar mais esbelta. O que não quer dizer que não esteja sempre tentando alguma forma de me livrar das dobras e quilos a mais, que insistem em permanecer no meu corpo.
Mas em 2015, em meio a idas e vindas preocupadas com a saúde da mãe então quase nonagenária – ela chegou aos 90 no último mês de julho –, um dia subo as escadinhas que ligam a calçada à portaria do prédio onde moro, falando ao celular e carregando uma sacola de supermercado com peso leve dentro. Para minha surpresa, quando chego no alto dos não mais que dez degraus, estava totalmente sem fôlego. Me assustei. Marquei o cardiologista. O diagnóstico do médico foi preciso: precisava fazer exercício, me alimentar melhor para diminuir o peso e diminuir o colesterol que, pela primeira vez na vida, apareceu alterado.
BALANÇOS, BALANÇAS
O tal do colesterol fez acender uma luz vermelha: isso é coisa de gente velha, pensei cá com meus botões. E não gostei de me sentir assim. Ao mesmo tempo, me dei conta de que, sim, estou ficando mais velha e daqui a pouco os 50 vão bater à minha porta. Quem vão encontrar? E esse joelho que cismou de doer cada vez que subo ou desço? Vai ser assim agora?
Para emagrecer, já frequentei Vigilantes do Peso algumas vezes, muitas delas com bastante sucesso. Mas a rotina das reuniões é tediosa e queria algo novo. Já fui a ortomolecular, endocrinologista, terapeuta nutricional, medicina chinesa, alternativa, spa, um cardápio variado de técnicas e nomenclaturas que esbarravam sempre em mim que, em algum momento, me cansava daquilo e desandava com tudo. Até ter outro impulso e decidir me cuidar novamente, o que sempre me levava a um novo espanto: estava sempre mais pesada que da última vez que tinha resolvido fazer dieta.
Decidida – embora desconfiada das minhas intenções de seguir à risca a tal decisão -, cheguei ao consultório da nutricionista Georgia S. de Oliveira, em setembro de 2015. Dica de uma amiga, com ótimas referências, inclusive a de ter trabalhado no INCA, de onde também é o médico que me operou nas três vezes a que me referi, entre os últimos anos do século 20 e os primeiros do 21. Longa história daquela época, de cirurgias obrigatórias, que, em resumo, levaram embora uns tumores esquisitos (felizmente benignos, embora tivessem provocado muita desconfiança), um ovário depois do outro, além do útero.
2015 – O ANO DA LIBERAÇÃO
Em 2015, na consulta regular com meu ginecologista, que me acompanha desde a época dos Poltergeists (apelidei assim os tumores), Dr. Olímpio Ferreira me disse: “a partir de agora, você não precisa mais fazer preventivo”. Quis saber por quê: “passaram 10 anos da última cirurgia e não houve recidiva. Tá liberada”. Fiquei feliz, impressionada e aliviada com a chegada ao fim de um ciclo duro da vida, que tomei todos os cuidados, mas também parei de prestar tanta atenção. Vivi e pronto, fazendo reposição hormonal desde os 38 anos, um hábito que foi incorporado à rotina diária pós-banho: desodorante, hidratante, gel da reposição e outros cuidados cosméticos, numa sequência automatizada, sem dramas.
A partir de 2015, fui também desmamando do hormônio – Streva, que apelidei de “ex-trevas” -, uma ajuda e tanto para manter o equilíbrio que dançara 10 anos antes: não era só o calor que botava fogo no rosto: a menopausa precoce e cirúrgica também botou meu ânimo e humor para níveis inacreditáveis e simplesmente não conseguia achar graça em nada e sair da cama para enfrentar o mundo era uma tarefa hercúlea.
Talvez essa liberação de 2015 – o fim do ciclo de ameaças de recidiva, o fim do uso do hormônio – tenha contribuído para a de 2016, quando fui para uma cirurgia sem precisar, sem estar doente, sem ter queixa de dor. Fui porque quis. E o pós-operatório, com todas as semelhanças, é totalmente diferente dos anteriores: não tem expectativa de resultado que poderá, ou não, levar à quimioterapia. Não tem que resolver rápido se quer ter filho ou não. Não tem nada. “Todo incômodo que possa haver é incomparável com a alegria que uma cirurgia como essa proporciona”, me disse na primeira consulta o cirurgião plástico que me operou, Luiz Mario Bonfatti, encontrado graças às indicações de amigas.
MUITO PRAZER, TÓRAX
Logo depois de me ouvir dizer que ainda estava pensando se aquela era uma boa ideia, que tinha algumas dúvidas, que não sabia se era isso mesmo, ele disse: “vamos para o espelho para eu te olhar e você se olhar”. Ali, naquele dia chuvoso de fevereiro, ambos olhando a mesma imagem, ele me disse que, no meu caso, a cirurgia de redução de mama não era estética, mas reparadora. E fez uma observação que me marcou: “seu tórax é uma parte do seu corpo que você desconhece”.
Passei os dias seguintes em casa tentando enxergar o tórax escondido atrás dos peitos que sempre foram grandes, mas, depois dos 40, sofreram bastante com os efeitos da gravidade. Mas confesso que, até aquele momento, nem eu sabia que eles me incomodavam tanto, que tinham crescido tanto, que estavam tão desproporcionais. Hoje, vendo o resultado da mamoplastia redutora de pedículo inferior areolado (o nome da técnica utilizada) e comparando com as fotos de antes, feitas na tal consulta, e comparando com o que vejo no espelho, depois da … Uau! Como pude demorar tanto para tomar essa decisão?
A tal história de que a gente se adapta às gambiarras do corpo: os modelos das roupas vão ficando cada vez mais largos, os colares maiores, os decotes somem ao mesmo tempo em que as roupas não podem ser muito fechadas para não acentuar o volume, os sutiãs aumentam de manequim, os ombros ficam sulcados e, às vezes, até feridos pelo peso das alças e suas pecinhas reguladoras, e, sem eles, os peitos quase descansam sobre a mesa… Acontece. E a gente se acostuma.
MUITA PILHA, POUCA ENERGIA
A consulta foi radicalmente diferente da que tive, com um médico burocraticamente simpático, que me recebeu com mesuras protocolares, sentado à mesa cheia de objetos, estante de livros atrás e pilhas, muitas pilhas, na prateleira e na mesa. Aquilo me deixou muito curiosa: o que será que faz ele com tanta pilha? A resposta não custou a vir: depois de responder a um questionário padrão, ele pediu para a assistente me “preparar” na sala ao lado, onde vesti apenas um avental descartável, que tirei quase imediatamente para a sessão de fotos feitas por ele, com todos os ângulos possíveis: de frente, de lado a 90º, a 45º, com braço pra cima, com braço na horizontal, de frente, de costas, com braço na cintura, esticado, dobrado, outro lado, queixo pra cima, braço pra trás… É aí que são consumidas as pilhas, satisfazendo a minha curiosidade inicial. E eu nem tinha falado ainda das minhas questões…
Muito tempo gasto em fotos, pouco em conversa. Não curti. Da frustração dessa primeira consulta nasceu a possibilidade da segunda, que me fez chegar ao cirurgião que me operou. Àquela altura, já tinha perdido uns 10 kg e reaberto a matrícula na academia, abandonada um ano antes. Aliás, foi por incentivo da nutricionista que a ideia de reduzir o tamanho dos seios ganhou contornos de projeto possível, mas que exige organização emocional e financeira.
E AINDA TEM OUTROS CUSTOS
É praticamente impossível fazer cirurgia plástica com o médico da sua escolha pelo plano de saúde, mesmo que haja laudo, parecer e todo o resto. A burocracia é enorme e resolvi que o melhor seria me organizar financeiramente para este processo. Não faz muito tempo que me tornei freelancer, num misto de desejo de novas experiências e da evidente crise das redações de Jornalismo, meu habitat natural pelos primeiros 20 anos de carreira – jornal impresso, revista semanal, site online.
Como freelancer, as variáveis a considerar são grandes: tempo sem poder trabalhar, custos diretamente relacionados à cirurgia, recursos para a parafernália que tem que ser providenciada para os dias em que os braços não podem descolar do corpo. Haja planilha!
Mas acredito que, principalmente, é a cabeça e a tal da disposição que têm que estar em dia. O resto é fichinha: os cerca de 15 dias que os braços não podem levantar e, por isso, as roupas que têm que ser de botão para entrar mais fácil; o período em que só é possível dormir de barriga para cima porque virar de bruços demora um pouco até ser permitido novamente; as limitações para lavar o cabelo… Tudo isso além da recuperação do corpo depois de uma cirurgia grande, com anestesia geral que, no meu caso, durou cerca de seis horas, levando embora cerca de 1,7kg de cada mama. Cada!
Quando acorda da anestesia, você se vê de volta no quarto bem decorado, com soro espetado no braço, sonda, aparelho nas pernas para diminuir os riscos de trombose, mão inchada, coluna doendo, sem poder se mexer e aquele curativo embaixo do sutiã que não pode ser removido. Cai a ficha de que o corpo foi aberto, suturado, houve perda de sangue e os dias de recuperação serão longos. Fui me ver com o novo formato do corpo, de pé e sem curativos, quatro dias depois da cirurgia, logo depois de chegar da primeira consulta de revisão no consultório médico. Pude, finalmente, tomar banho de corpo inteiro e me olhar no espelho. Foi um choque! Era tudo totalmente novo, muito diferente do que portava até poucos dias atrás, mas, ao mesmo tempo, era eu! Totalmente eu. Quase como se tivesse reencontrado um corpo perdido, que fazia anos que não via. Que alegria!
Tem sido muito interessante reencontrar com roupas no armário que não cabiam mais, ou jamais entraram. Tem sido muito bom me olhar no espelho, agora já com 17kg a menos. Constato que a decisão, afinal, foi acertada – e nem tão difícil assim. Desconfio que essa preparação para os 50 foi uma desculpa boa para repaginar a embalagem, que acaba mexendo com todo o conteúdo. Aos 48 recém-completados, sigo em frente, podendo até dispensar o sutiã. Não é pouca coisa.
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