‘Uma rapidinha tem o seu valor’
Ao exercer seu direito de ser feliz, a geração de mulheres de 50 anos ou mais encara as mudanças do desejo e busca uma vida sexual mais satisfatória, garante a sexóloga Iracema Teixeira.
Iracema Teixeira não tem papas na língua. Não deixa uma pergunta sem resposta e, às vezes, essa resposta vem acompanhada de uma risada gostosa, dando um tom descontraído e amigável à entrevista, feita no ambiente acolhedor do seu apartamento em Copacabana. A conversa vai de relação sexual após os 50 anos até o uso de brinquedos eróticos. Sem falar em surpresas nas relações amorosas e no valor de uma “rapidinha”. Ela fala sobre sexo todos os dias.
Aos 56 anos, ela é doutora em Psicologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e mestre em Sexologia Clínica pela Universidade Gama Filho. Foi presidente da Sociedade Brasileira de Sexualidade Humana no biênio 2014-2015 e é membro do Centro de Psicologia Formativa do Brasil, coligado ao Center for Energetic Studies, em Berkeley, na Califórnia. E também é colaboradora do programa do radialista Roberto Canazio, na Rádio Globo, aos sábados.
Com experiência de 32 anos de consultório, ela afirma que ainda existe a “tirania do orgasmo” e o forte tabu sobre a masturbação. Veja abaixo esses e outros assuntos que foram temas da entrevista com a psicóloga.
SEXO NA COZINHA – “Eu dava aula para alunos num colégio classe A no Rio de Janeiro, num projeto de Juventude e Sexualidade, e falava sobre a sexualidade em várias fases da vida. Falei da sexualidade após os 50 anos e ficou aquele silêncio pesado. Então, um dos meninos disse que viveu uma “situação terrível”: ele estava numa casa de veraneio de um amigo e desceu para beber água, quando flagrou os avós do amigo transando na cozinha. Ele falou que foi a “coisa mais nojenta” que ele tinha visto. Até entendo que o menino, sem vida sexual, tenha se impressionado com essa imagem “ao vivo”. Foi um ótimo exemplo para discutir, na sala, que a sexualidade faz parte da vida. Hoje em dia, o foco da abordagem na sexualidade não é mais como há dez anos, falando de distúrbios. Falamos hoje sobre a saúde sexual e eu acho que essa mudança de paradigma é que facilitou para que pudéssemos hoje ter uma abertura maior em relação a esse tema.”
MULHERES 50+ – “As mulheres com 50 ou mais estão encarando essas mudanças e você percebe isso no consultório, na rua. Falo por mim. Tenho 56 anos e lembro que, quando a minha mãe tinha a mesma idade, ela era uma senhorinha, era uma mulher que se negava a ter inclusive uma vida sexual ativa. Ela já era separada há muito tempo, mas não tinha namorado, não saía, não tinha uma vida pessoal. Hoje, as circunstâncias são outras.”
“Ter alguém faz bem à gente? Faz, mas o fundamental é poder viver os afetos, ter uma vida sexual satisfatória. A mulher não pode pagar um preço alto de se anular como pessoa, se submeter a uma situação apenas para poder se manter com alguém.”
RESGATE DE SER FELIZ – “Um dos aspectos de mudança para essa mulher de 50 é que aumentou a longevidade. Então, a fase da chamada maturidade pós-50 tem outra perspectiva em relação à produtividade, à condição de produção intelectual e laboral, que possibilitam outra forma de vida. A mulher está em exercício de sua cidadania, de suas competências profissionais, e isso a possibilita se apropriar das suas condições amplas de ser humano. É um resgate de ser feliz. Essa ressignificação dos papéis sociais da mulher possibilitou se apropriar do direito inalienável de ser feliz. Por exemplo, cheguei a colocar um post no meu (perfil do) Facebook e criou uma polêmica. Eu disse mais ou menos assim: Se ele disser ‘Você nunca vai encontrar alguém como eu’, você responde ‘Ainda bem’. Isso criou uma polêmica, porque a primeira ideia é que a mulher deve se colocar no lugar de ter que aceitar que está feliz porque tem alguém. Hoje em dia, a mulher fica feliz por ter uma vida feliz, não importa se tem alguém. Ter alguém faz bem à gente? Faz, mas o fundamental é poder viver os afetos, ter uma vida sexual satisfatória. A mulher não pode pagar um preço alto de se anular como pessoa, se submeter a uma situação apenas para poder se manter com alguém.”
ITINERÁRIO SEXUAL – “Nesse viver pleno e ser feliz, ela pode ter mudança de orientação sexual. Quando a mulher se apropria do seu direito de ser feliz, ela vai ser feliz e não importa o itinerário sexual que ela adota, porque o caminho que ela vai adotar é para ser feliz. Então não adianta você estipular regras para ser feliz. A única regra para ser feliz é uma conduta ética, desde que não fira o outro, desde que não traga um prejuízo alheio. O ser feliz é o que vai nortear a escolha do caminho.”
IDEAL ROMÂNTICO – “A mulher, às vezes, se priva de alguma coisa porque ela idealiza o amor romântico. Atualmente, venho trabalhando muito o que é o amor. O amor enquanto idealização é uma elucubração, é uma ilusão. Se não tiver se transformado em atitudes concretas, o amor se torna algo no plano das ideias abstratas e a tendência é não se sustentar. O amor se dá na prática. A partir de determinadas condutas e atitudes, que expressam o bem-querer e a admiração pelo outro e que não seja foco de inveja, mas uma forma de crescimento. Nada impede que se possa viver a magia do apaixonamento. Alguns vão fazer poesia, outros vão admirar as flores, outros vão sentir borboletas no estômago. Enfim, cada um vai viver o amor da sua forma pessoal.”
“A gente tem tesão, mas não se tem mais a capacidade física, acrobática, vamos dizer assim, dos jovens, para arriscar posições complicadas do Kama Sutra. Não cabe essa realidade, mas isso não impede de ter uma transa incrível.”
EXPERIÊNCIA AMOROSA – “O adulto jovem vive a descoberta, existe ali uma intensidade emocional que caracteriza a experiência de vida. No adulto alfa, o foco está na organização, na construção de uma vida, na estabilização de uma vida. Já na maturidade, a gente construiu algo, tem um caminho percorrido e isso nos dá certa tranquilidade para se viver o amor de outra forma, com mais calma. Eu diria que é um amor mais pela escolha do desejo do que se quer para o futuro, porque o futuro agora é mais curto e a gente começa a se deparar com a finitude.”
TESÃO – “O desejo muda, tanto sob o ponto de vista bioquímico, com a queda do estrogênio porque isso vai interferir na vontade, na intensidade, na frequência. Mas também eu diria que o exercício da sexualidade, nessa fase da vida, é mais da ordem do acerto do que propriamente do exercício sem fim. Não é que a gente não tem mais tesão. A gente tem tesão, mas não se tem mais a capacidade física, acrobática, vamos dizer assim, dos jovens, para arriscar posições complicadas do Kama Sutra. Não cabe essa realidade, mas isso não impede de ter uma transa incrível.”
ORGASMO – “A gente tem que tomar cuidado para não entrar na tirania do orgasmo. Às vezes, a relação pode ser extremamente prazerosa e não vir acompanhada de um orgasmo. Tanto mulheres quanto homens devem deixar de ser reféns do orgasmo. Uma colega que fez uma pesquisa sobre sexualidade na terceira idade e entrevistou um senhor de oitenta e tantos anos ouviu que fazia sexo todos os dias. Ela ficou surpresa e pediu mais explicações. Ele disse assim: “quando eu acordo, beijo a minha mulher da cabeça aos pés e ela também me beija. Para mim, isso é sexo”. Então, se a gente entender sexo como uma perspectiva apenas sobre a genitália, reduzimos a amplitude da sexualidade. Às vezes, você acaba tendo experiências que são prazerosas, com caráter tão intenso de prazer que pode ser se assemelhar ao orgasmo. E, às vezes, você pode ter um orgasmo chinfrim, uma gozadinha, uma coisa assim, quase um suspiro, e não ser tão intenso.”
“A masturbação deve ser vista como possibilidade de prazer, de obter prazer. No entanto, ainda é muito forte o tabu. O autoerotismo ainda é muito discriminado na nossa cultura.”
RELAÇÃO – “Depende muito de cada pessoa. Nós podemos, de fato, nos permitir ter uma vida com satisfação e não importa de que forma. Se for possível essa vida compartilhada com alguém, tudo bem. Mas, se não for, que isso não nos impeça de buscar a própria satisfação e felicidade. Isso vai depender muito do repertório pessoal de cada um. Ainda existem mulheres que estão muito presas a esse emaranhado deveres e responsabilidades, que estão diretamente ligados ao papel da mulher do século 19. O papel de servir ao outro. Não importa se é um casal hetero ou homossexual. O que importa é a divisão de tarefas. Porque existe algo maior do que cada um, que é a própria relação que se quer preservar. Um relacionamento não é um mais um, igual a dois. É igual a três. É você, o seu par e a relação. São três sistemas interdependentes. Você pode ter a sua individualidade, seu espaço pessoal, e ter coisas em compatibilidade ou não com o seu par, mas tem algo maior, que é a relação.”
MASTURBAÇÃO – “É ainda um tabu. Muitas vezes, vem acompanhada de culpa e isso é muito triste, porque a masturbação é uma forma de você estar consigo mesmo prazerosamente. É você poder se propiciar uma experiência de satisfação. Não é para ficar refém do orgasmo, mas a masturbação deve ser vista como possibilidade de prazer, de obter prazer. No entanto, ainda é muito forte o tabu. O autoerotismo ainda é muito discriminado na nossa cultura. Ainda é visto como um problema como se fosse uma incompetência relacional. É visto dessa forma no sentido “se ela se masturba é porque ela não tem competência para ter alguém”. Isso é muito duro.”
TOQUE – “Há mulheres que ainda têm dificuldade de dizer para o parceiro ou parceira como gosta de ser tocada, aonde gosta de ser tocada, qual a sua fantasia. Há uma cobrança para o homem, por exemplo, de ser bom de cama e ele também se coloca nesse lugar de garanhão, de ser expert. Eu costumo dizer que a mulher vive uma repressão muito forte, antiga, secular no termo da sexualidade e o homem viveu um outro tipo de sofrimento, que é de uma exigência social. Ele fica com a faca no pescoço o tempo todo e, se ele não é competente sexualmente, é desqualificado na sua masculinidade.”
“Alguns parceiros entram na neura de que, se é preciso o brinquedo erótico, é porque não dá conta do recado. Olha, isso é um nível de insegurança e é melhor fazer terapia. O brinquedinho sexual é usado como uma forma de criar situações novas.”
SEXUALIDADE E SEXO – “ A sexualidade faz parte da nossa vida e não implica necessariamente na existência de sexo. Posso não ter uma vida sexual ativa, mas viver a minha sexualidade na sua plenitude, podendo ter prazer comigo mesmo. Podendo experimentar, às vezes, a parceria. Eu acho que é uma das coisas de muitos ganhos, muito significativo é poder utilizar o sexo como uma atividade lúdica. Precisa ser uma brincadeira de corpos. Porque o sexo precisa ser lúdico, precisa ser gostoso, agradável, precisa envolver várias formas de carinho, de intensidade. Não pode ficar aquela ideia do sexo como uma formalidade.”
FREQUÊNCIA – “Existe uma cobrança de fazer sexo com muita frequência. Não dá para ser todo dia, três vezes por semana. Não rola. Dá pra ser de outra forma, com mais qualidade. Vou fazer uma comparação: quando se é jovem, a gente tomava um Sangue de Boi, mas hoje não dá. A gente quer um bom vinho (risos). A mulher pode não ter a mesma disponibilidade de frequência sexual, mas pode ter outros caminhos, como o uso de brinquedos eróticos, que hoje em dia vem sendo mais aceito.”
BRINQUEDINHOS – “Alguns parceiros entram na neura de que, se é preciso o brinquedo erótico, é porque não dá conta do recado. Olha, isso é um nível de insegurança e é melhor fazer terapia. O brinquedinho sexual é usado como uma forma de criar situações novas. As relações de longa duração podem acabar se organizando no nível de monotonia. Rotina é uma coisa: a gente acorda uma determinada hora, dorme uma determinada hora, isso é um compromisso de uma rotina estruturante. A monotonia, não. Casais de longa duração precisam ser criativos para não entrar na monotonia, na mesmice. Há casos de uso de brinquedinhos que apimentam uma relação.”
“Não querer mais nenhum sexo, hoje em dia, não é tão comum. As mulheres, quando declaravam que não queriam mais sexo, era porque não queriam fazer sexo por obrigação.”
RAPIDINHA – “Uma rapidinha tem o seu valor. Vou fazer uma analogia. Você encontra uma pessoa amiga que está tomando um sorvete e fica de olho no sorvete da pessoa. Você dá uma chupadinha no sorvete. ‘Hum… ai, que delícia, vou comprar mais’. É mais ou mesmo isso (risos). Tem aquela coisa do inusitado, tem a situação do perigo, daquela coisa que você tem que aproveitar. A adrenalina ajuda também. São as situações inusitadas que a gente pode viver aos 50, 60 anos. Imagina, você vai a um restaurante com um parceiro ou uma parceira. Enfim, você resolve fazer uma surpresa e está sem calcinha. Aí começa uma dança de pés debaixo da mesa, você sai dali e vai para o carro e dá uma rapidinha. Isso é muito bom.”
DEPENDÊNCIA DO OUTRO – “Se a pessoa tem como característica principal ‘eu estou aqui para servir, eu faço o que o outro precisa de mim’, ela também vai se colocar nesse lugar na cama. Depende se a pessoa possui dento dela essa cobrança de atender a demandas socioculturais. Por exemplo, na minha família, somos quatro mulheres e sou a caçula. Defini para mim muito cedo, tinha isso muito claro, que eu não queria casar e ter filhos. Isso, para mim, foi definido muito cedo e havia a cobrança da minha família. Era cobrança, naquela época muito forte para todas nós. Fui noiva duas vezes e terminei os noivados. Há uma repressão externa muito grande que, se você introjetar, acaba reproduzindo isso. Hoje tenho uma relação ótima. Meu marido trabalha em São Paulo e eu acho ótimo, você pode fazer surpresas, não sucumbir à monotonia. Existem os recursos da tecnologia para se aproximar, as distâncias encurtaram.“
SITE PORNOGRÁFICO – “Depende da função que ele ocupa na vida de uma pessoa. Antigamente, a gente tinha as revistinhas, os vídeos de locadora. Hoje você encontra na televisão ou pega no computador filmes pornô. Isso é uma coisa, ser algo que estimule e que faça parte da brincadeira. Outra coisa é usar exclusivamente o site pornográfico de sexo explícito como única forma de obter prazer. Aí, a gente fica preocupado. Essa atitude pode gerar um prejuízo pessoal, porque a parceira flagrou ou porque está ficando de uma forma tão extensa e comprometendo a atividade profissional, familiar. A compulsão pelo sexo virtual, fazendo a pessoa acessar até no trabalho, complica. Se tem algum prejuízo, cai no sofrimento.”
SEM SEXO – “Depende muito da dinâmica do casal. Já houve casos em que um dos parceiros não queria mais sexo e, na verdade, depois esclareceu que estava muito bem com o amante. Não querer mais nenhum sexo, hoje em dia, não é tão comum. Em 32 anos de prática clínica, a queixa mais frequente dos homens era que as mulheres não queriam mais sexo ou ficavam paradas durante a relação sexual. As mulheres, quando declaravam que não queriam mais sexo, era porque não queriam fazer sexo por obrigação. Como disse, depende muito de cada pessoa.”
Veja alguns trechos da entrevista em vídeo:
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