Inventário do amor e do sexo da mulher solteira de 50 anos

Os 50 anos chegam, o corpo muda, os desejos também. Como as mulheres solteiras nessa idade lidam com o amor, o sexo, a solidão e as novas relações pautadas por aplicativos e sites de encontros? Nessa reportagem especial para o Mulheres 50 mais, a jornalista Rosane Serro conta algumas dessas histórias de mulheres que entrevistou e também as suas próprias experiências.

A jornalista Rosane Serro: depois de três casamentos, ficou 13 anos sem uma relação formal estável./ Foto: Ana Lúcia Araújo

Rosane Serro: depois de três casamentos, ficou 13 anos sem uma relação formal estável./ Foto: Ana Lúcia Araújo

Eis que o relógio marca e nós, mulheres, atingimos o meio século. Muitos fantasmas rondam este dado histórico, até mesmo antes que ele ocorra: uma menopausa dolorosa. O ganho de peso. A lei da gravidade, implacável. Ou um encarceramento social iminente, que se revela quando, à noite, a cidade é tomada por jovens que se multiplicam a cada esquina. Porém, nenhum fantasma parece mais assustador do que a falta de amor e de sexo. Especialmente para a mulher madura e sozinha, já que as condições sociais para obtê-los não lhes são nada favoráveis.

Romance e luxúria não estão à nossa disposição com a facilidade dos 18 aos 40 anos. Há que se ultrapassar questões demográficas, etárias, existenciais, históricas, socioculturais, filosóficas, tecnológicas, psicanalíticas, sexuais e afetivas (atenção que não mencionamos as astrológicas, kármicas ou os golpes de sorte). Trata-se de um processo tão complexo e emocionalmente desgastante, que muitas mulheres simplesmente desistem no meio do caminho. Assim como há outras que se aventuram e voltam destroçadas, mas sobrevivem. Não existe um comportamento padrão. Uma coisa é certa: as mulheres de 50 anos sozinhas enfrentam hoje uma batalha pessoal jamais imaginada por suas representantes de gerações anteriores.

A caixa de Pandora

Para começar, as estatísticas não nos favorecem. Segundo o IBGE, o número de mulheres sozinhas, com mais de 50 anos, no Brasil, é maior do que o correspondente no total de homens. Nas regiões Sudeste e Sul, elas chegam a 73,2% e 72,5%, respectivamente. Além disso, de acordo com a Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílio (Pnad) realizada em 2011, 57,1% dos brasileiros declararam estar em algum tipo de união conjugal. Mas entre os brasileiros divorciados e viúvos, novamente as mulheres são mais numerosas do que os homens. Há cinco anos, havia, no país, 5,3 milhões de mulheres divorciadas contra 3,5 milhões de divorciados. Já entre os viúvos, as mulheres somavam 7,4 milhões e eles somente 1,7 milhão. Em termos percentuais, em toda a população feminina, 9,5% são viúvas, contra apenas 2,4% da população masculina. Por fim, em uma pesquisa realizada pelo Instituto no ano passado, constatou-se que os homens estão casando cada vez mais tarde. Ou seja, a quantidade de cavalheiros disponíveis anda rarefeita.

O inconsciente coletivo em relação ao processo de amadurecimento também não ajuda. Simone de Beauvoir em seu livro “A velhice”, publicado em 1970, fez um levantamento sobre o processo de obsolescência humana e constatou que – dos gregos à história contemporânea – os idosos (classificados como tal a partir dos 50 anos) sempre foram considerados uma minoria improdutiva, inútil e consequentemente desvalorizada. Em relação às mulheres, a clemência era nenhuma. Beauvoir contabiliza que as mais velhas sempre foram representadas como feias, malévolas, esposas rabugentas ou velhas cortesãs mais ou menos alcoviteiras. Ou seja, a reprodução literária do seu papel de satélite no universo do paterfamilias. Os escritores Ovídio (“A arte de amar”, “Os tristes”) e Horácio retrataram a passagem do tempo feminina com as piores palavras. Mas ninguém ultrapassou a misoginia de Quevedo que classificava a mulher mais velha como “pavorosa, enrugada, ignóbil, com sua boca ‘desguarnecida’. “É um saco de ossos, é a morte em pessoa” – descreveu o autor espanhol (não, por favor, não tomem aquele ansiolítico).

A consciência de que nossas ancestrais também padeceram com um padrão estético excruciante baseado na beleza e na juventude serve de alento, mas não é muito útil na solução do problema. Ao atravessarmos a Linha do Equador do meio século, a indústria do consumo, a sociedade, os planos de saúde, as academias de ginástica, os atendentes das lojas, os flanelinhas, os taxistas, as agências de publicidade, os institutos de pesquisa, a mídia e o peão da obra da esquina silenciosamente nos empacotam, rotulam e despacham para o porão da senioridade pejorativa. E o que é pior: nos cobrem com uma injustiçada invisibilidade.

Certamente nosso corpo nos denuncia. As linhas do rosto se aprofundam, a cintura se alarga. Mas nada que justifique a perda da autoridade e o apagamento dos atributos que qualificam o nosso feminino. Quer dizer, assim pensamos nós, cinquentenárias. Mas não eles. Recentemente, a ex-modelo Monique Evans, ao chegar aos 60 anos, declarou a um jornal carioca: “Na minha época, não imaginava uma avó transando.” Não só você, Monique, ninguém o fazia. E hoje, apesar das conquistas sociais, ainda há que se vencer muitos preconceitos. Externos e íntimos também. Aos 50 anos nos entregam uma Caixa de Pandora e tal e qual a personagem que lhe dá o nome, precisamos abri-la.

Identidade e espelho

Para explicar a caixa numa versão reduzida, voltamos aos gregos. Pandora foi a primeira mulher a existir no mundo. De acordo as publicações do mitólogo Junito de Souza Brandão, ela foi criada por Zeus e recebeu qualidades de cada um dos deuses do Olimpo, pois Zeus queria garantir sua semelhança com os imortais. Epimeteu, que a desposou, deu-lhe uma caixa e recomendou que não abrisse. Pois Pandora o desobedeceu, abriu a caixa e dela saíram todos os males do mundo. Dentro, restou apenas a esperança. E sabem quais eram os males da caixa de Pandora? A doença, a guerra, a loucura, a mentira, o roubo, o ódio, o ciúme, a paixão, o trabalho e… a velhice.

Portanto, amaldiçoadas pela mitologia, pela literatura, pela sociedade e pela mídia rejuvenescedora, quando Cronos marca os 50, resta-nos encarar o espelho e abrir a caixa da vida: quem sou eu? Quem é essa mulher? Profissional ou doméstica, qualificada ou não, mãe ou não, com filhos crescidos ou não, divorciada ou viúva, trabalhadora ou dependente, feliz ou infeliz, quem é essa mulher que chegou até aqui? Que corpo é este? É este o corpo que eu quero? O que posso fazer para mudar? Afinal, quem é esta mulher hoje e o que ela quer para o futuro?

É quase impossível passar por esta marca sem se prestar a uma auto avaliação. Ela é imperativa, chega como uma necessidade. E é dolorosa porque o mergulho na direção do avesso acontece entre espinhos. Se a mulher está sozinha, a possibilidade de uma relação é mais um elemento acrescentado à esta equação e ele tem peso em dobro. A opção pelo relacionamento a dois embute o mistério, o medo, a surpresa, o confronto com este universo multiplicado de possibilidades chamado o Outro. Pois, aos 20 anos, o Outro é uma estrada reta e lisa num campo de tulipas. Aos 50, ele sempre aparentará ser uma floresta tropical com sumaúmas gigantescas e animais exóticos desconhecidos. Em resumo? O inferno, já avisou Sartre.

Tantas opções, mas por onde ir? / Foto de Rosane Serro

Tantas opções. Por onde ir? / Foto: Rosane Serro

Notícias do front

Se – devidamente auto analisada ou clinicamente psicanalisada e com uma mulher nova brotando dentro de si – você ainda pensar em ter um parceiro para reativar sua vida afetiva e sexual, me diga, onde o buscaria?

OK, estou ouvindo seu silêncio.

Fique tranquila. Este desconhecimento é extremamente comum entre nós, cinquentenárias. Afinal, somos gente do século XX. Nós fomos pedidas em namoro. Frequentamos almoços de família aos domingos. Fizemos sexo em motel. Somos do tempo dos amantes e dos relacionamentos que tinham fim. Também somos do tempo das palavras ditas. Das palavras ditas que tinham significado e das palavras ditas que ainda por cima correspondiam a ações de fato. Não existia o gerúndio nos encontros – “a gente vai se falando”. Os tempos verbais eram presente, passado, futuro. Perfeitos. As relações não eram etéreas, fluidas. A modernidade não era líquida. Ainda era a concreta e cubista com Braque, Picasso e Juan Gris.

“Fizemos sexo em motel. Somos do tempo dos amantes e dos relacionamentos que tinham fim.. Também somos do tempo das palavras ditas. Das palavras ditas que tinham significado e das palavras ditas que ainda por cima correspondiam a ações de fato.”

Se você saiu de uma relação nos últimos 15 anos pelo menos e não teve a sorte de viver outra de forma fixa e intensa, é possível que se assuste com o mundo lá fora. Nós que somos filhas de mães das décadas de 30 e 40 infestadas de tabus, testemunhas ao mesmo tempo da submissão e da Contracultura, ferro forjado pelo movimento feminista, por Reich, pela psicanálise, pela AIDS, pela jornada tripla de trabalho e pela Lei da Maria da Penha; nós que somos mulheres de atitude e ação, inicialmente não entendemos muito o que significa um telefonema que não volta. Ou relações fundamentadas na aparência dos parceiros. Um encontro que é, mas não é, mas que pode ser, mas que não podemos afirmar, mas quem sabe talvez e mesmo assim pode acontecer uma, duas, cinco vezes ou nunca mais. Ou ainda se manifestar de vez em quando, apenas virtualmente, por um canal específico, como se fosse um espírito de mesa branca.

Ao contrário de nossas mães e avós para quem só existiram dois caminhos – ou dentro ou fora do casamento –, o cenário dos relacionamentos afetivos e sexuais do início deste século XXI se assemelha ao painel do aeroporto de Frankfurt (o maior hub aéreo da Europa). As transformações são avassaladoras. São tantas as possibilidades, tantos os arranjos emocionais e conjugais, tantas as camadas de troca que não se constituem necessariamente numa relação, que ficamos perdidas entre o que nos é oferecido e o que realmente queremos. Querem ver?

  • A ficância – Desde o início dos anos 2000 que o ambiente socioafetivo mudou e um novo arranjo amoroso surgiu no mundo dos adultos. Herdada das festas adolescentes da década anterior, a nova modalidade de relacionamento a dois implica em experimentação sem compromisso. Um recurso muito útil, sem dúvida, mas para quem vem de famílias conservadoras com apenas quatro estados civis oficialmente reconhecidos – solteiro, casado, separado ou divorciado – trata-se de uma maleabilidade um tanto nebulosa. A ficância também é a atualização da amizade colorida dos anos 70 e 80, só que com mais nuances e filigranas. Ela não ocorre entre amigos, obrigatoriamente, e quando é fixa embute uma camada de afeto e cortesia não prevista no sexo casual. Mas também pode ser uma one night stand. .. complexo, não?
  • Sexo casual – Um sexo imprevisto, que acontece segundo o desejo e pode ocorrer com amigos, conhecidos ou estranhos. Pode ser a porta para novas conexões sexuais e afetivas entre os envolvidos ou não. A medição para saber se foi apenas um momento ou se haverá uma evolução é o famoso “telefonema do dia seguinte”, que na verdade pode ocorrer até três dias depois do encontro. Neste terreno tudo é muito breve e volátil. Não crie expectativas.
  • O “pau amigo” – Perdoem a aspereza da expressão, mas é uma gíria corrente em muitas cidades do Brasil e denota exatamente o que parece. Sem carinho, sem qualquer outro sentimento, sem café da manhã ou conversas sobre a eleição nos EUA. Poderíamos pensar que se trata de uma pequena vingança feminista, afinal é finalmente transformamos os homens em objetos. Mas sem rancor, afinal, se ambos concordam…
  • O caso – O caso, em geral se refere a um relacionamento extraconjugal. Seja curto ou longo, o ideal é existir honestidade entre os parceiros de modo que ambos tenham a exata medida da responsabilidade e expectativas de cada um. Não recomendável em função das consequências, sempre dolorosas para todas as partes.
  • O poliamor – Poliamor não é sexo grupal, nem ménage, nem swing. A origem do poliamor são os arranjos afetivos múltiplos e não o sexo. Poliamor não compreende os casos extraconjugais, ao contrário. Trata-se da legitimação dos afetos aumentados e personificados em vários parceiros. O Brasil já conta com casos oficialmente registrados de uniões poliafetivas no Rio de Janeiro e em São Paulo, envolvendo três ou mais parceiros, mas sua validade legal segue sendo questionada.
  • Relacionamento a distância – Com todas as possibilidades tecnológicas, amor e sexo virtuais se tornaram uma alternativa para muitos que querem estar juntos, apesar de separados. Com todos os ônus e bônus, Skype, Whatsapp, Facebook, Snapchat, Youtube, Periscope e Email são ferramentas que hoje encurtam distâncias e expandem nossa presença de várias formas. Um relacionamento a distância pode implicar em fidelidade ou não, compromisso ou não. Como na vida, tudo é uma questão de negociação.

Retrato em branco e preto

Escultura de uma mulher fatiada exposta no Faena Arts Center de Buenos Aires./ Foto: Rosane Serro

Escultura de uma mulher fatiada exposta no Faena Arts Center de Buenos Aires./ Foto: Rosane Serro

O Mulheres50mais conversou com duas representantes desse segmento social, que preferiram resguardar suas identidades e optaram por falar através de pseudônimos. A arquiteta Maria Claudia, por exemplo, 54 anos, três filhos entre 17 e 24 anos, faz parte do grupo que optou por não navegar em mares tão turbulentos. “Eu não sinto falta de sexo. Quando se para, não se sente mais falta”, vaticina– e moradora de uma cidade do interior de São Paulo, ela está sozinha há 14 anos, desde que se separou de um casamento que durou uma década. Neste período, teve apenas dois relacionamentos, de seis e três meses, respectivamente. “Eu sou minha família e por família entendo meus filhos, meus descendentes, com um companheiro ou não”, explica.

Maria Claudia tem consciência da dificuldade que enfrenta e não se arvora a oferecer sua condição como receita. “Não acho que seja um ideal a ser seguido e não é uma bandeira que eu levante”, admite. Ela atribui a si mesma a responsabilidade por não ter o Outro como prioridade nos últimos anos e conclui que abandonou a si mesma. “Meu feminino e o Outro romântico estão excluídos da minha vida”, verifica, explicando que só admitia relacionamentos – ou seja, um namoro que tivesse continuidade, não apenas sexo – com alguém que pudesse ser trazido para dentro de casa.

O modelo satisfatório imaginado por Maria Claudia compreendia alguém para jantar, passear, ir ao cinema, viajar, conversar, que morassem em sua própria casa “e que houvesse um bom sexo”. Mas os maus encontros e o tempo foram moldando sua escolha celibatária. A menopausa se instalou e ela sentiu redução na sua libido. A partir daí os medos foram somados às questões biológicas: medo de se apaixonar, medo de sair da zona de conforto – “vou me deparar com o desejo e isso vai me exigir mudanças: tenho que comprar um pijama novo… mas o velho é bom, sabe? Para que arranjar confusão?” – e medo de literalmente se despir para o Outro. “Há 10 anos eu me despia, hoje já não tenho certeza pois não apresento mais me corpo para ninguém”, confessa. A parte física limita, você não sabe como será vista nua, qual será o olhar do outro”, justifica ela.

“Eu não sinto falta de sexo. Quando se para, não se sente mais falta”

Maria Claudia ainda enxerga outros entraves para exercer plenamente sua feminilidade e sexualidade. Ela igualmente atribui sua solidão às circunstâncias sociogeográficas em que vive. Trabalha como autônoma numa cidade pequena, “provinciana e machista”, em que o comportamento de todos é escrutinado como numa sociedade conservadora de meados do século passado. Todos sabem de tudo e julgam uns aos outros.

De acordo com a arquiteta, se ela exercesse plenamente sua liberdade sexual e afetiva não teria condições de trabalho e subsistência. “Se não fosse essa personagem comportada, eu não teria trabalho”, define. As regras veladas da cidade parecem ser tão rígidas que as mulheres sequer convidam suas amigas e conhecidas sozinhas para frequentarem suas casas, pois “poderiam dar em cima dos maridos”. Segundo Maria Claudia, esta não é sua opinião pessoal. Pelo menos umas 10 amigas suas enfrentam a mesma situação. A arquiteta pensa transitar por este universo porque “é uma pessoa neutra”.

Hoje, Maria Claudia admite que não está fazendo nada para buscar amor e sexo, mas com o ritmo de mudança da família, os filhos na faculdade, já está se organizando para ter mais tempo livre, sair mais cedo, reduzir os gastos para não ter que trabalhar tanto e abrir espaço para si. Neste período, o primeiro amor que apareceu foi o amor por si mesma. Pilates, ginástica, inglês, budismo estão agora em sua lista de prioridades, que segue sem incluir a presença de um companheiro. “Acho que ele vai aparecer como um desejo natural, depois de eu ter cuidado de mim”, projeta Maria Claudia, que ainda não sabe prever quando abrirá espaço para isso acontecer.

Cinema francês e pagode

Já Antônia Campbell, 57 anos, dois casamentos, divorciada há 14 anos, preferiu se manter em movimento. Ela passou o período pós-separação em plena atividade sexual e socioafetiva, mas de forma seletiva, o que pratica até agora. “Não quero sexo de letra de funk, de descarregar esperma”- afirma ela.

“Quero sexo com carga afetiva, com cuidado, que me leve em conta como ser humano.”

Após ter sido usuária de sites de relacionamentos durante vários anos, Antônia considera que seu emprego, assim como o dos aplicativos pelo celular, não se constituem em artifícios piores do que a busca de um parceiro pelas vias tradicionais. “Os espaços virtuais estão, hoje, na mesma instância da vida real, são parte dela, não tenho nenhum preconceito”, explica.

Antônia – como grande parte das mulheres maduras e sozinhas – queria, após o novo estado civil, um companheiro com quem pudesse trocar experiências e prazeres. Ela relata que quando se separou estava “batendo um bolão, segundo a crítica”, mas só podia contar com sua sensibilidade e sorte para fazer um encontro acontecer. Até hoje, no seu entender, uma combinação muito delicada.

“Aparência e barriga tanquinho não tem nada ver com isso. Um encontro tem a ver com o universo das pessoas envolvidas. A questão é etária e cultural. No meu caso, não quero sofrer um rebaixamento cultural. Não vou me envolver com um cara que quer ir para o pagode. Também não vou passar horas na academia e ficar falando sobre quantos gramas perdi e qual a minha série. Não é preconceito. É que sou chata. Eu assisto filme francês. Eu sou socialista. Logo, o problema então não é o cara, sou eu”.

Antônia lembra que, há 14 anos, não existia a variedade de sites e aplicativos para busca de parceiros sexuais e afetivos como os disponíveis hoje. Sua primeira tentativa aconteceu através das salas de bate-papo do UOL, mas não havia muito filtro ou uma ferramenta de seleção que combinasse idade, gostos e interesses. Em seguida, veio a fase do Par Perfeito, um site de encontros localizado no Portal Terra. Em ambos, ela contava com a intuição para selecionar os candidatos. “Era um mundo muito novo para mim que vinha de um casamento fechado e careta e me deparei com coisas que não conhecia, como por exemplo, um homem de Recife, com uma voz sensualíssima, que só queria transar por telefone”, conta Antônia. “Ou seja, sabia que existia o voyeur, mas não o écouteur”, ironiza, bem humorada.

Na opinião de Antônia Campbell, seus melhores parceiros sexuais foram encontrados justamente nos sites de relacionamento. Um, lhe telefona até hoje e o outro, um africano, se transformou em um grande amor muito bem vivido durante três anos. Ela não entrou na era dos aplicativos para celular porque cansou. “Comecei a achar uma mesmice, a coisa ficou sem graça”, atesta. Mas não descarta a possibilidade de usar outra ferramenta no futuro. Ela gostaria que houvesse um sistema de encontros, mesmo que fugazes, para pessoas maduras:

“Não me vejo mais “na roda de um Tinder”, até porque damos um salto seletivo brutal a partir dos 55 anos. Hoje quero um sexo calmo, sem pressa. Não quero uma ‘rapidinha’ depois da transmissão de uma luta de MMA. Eu quero sim um cara que coma a minha comida e tome meu vinho. Tudo faz parte do sexo e da sedução.”

A mulher nova

“A gente é um corpo, uma mente, uma alma em constante movimento e mudanças. Quanto maior o seu cardápio emocional e seu conhecimento sobre si mesma, maior será sua capacidade de se adaptar e ir adiante. Senão, vai enrijecendo e fica difícil viver. Claro que, aos 50 anos, uma mulher já resolveu sua busca do ‘eu, comigo’. Por isso, esta idade é uma situação de pegar ou largar.”

A avaliação é da psicanalista e psiquiatra, Rosane Esquenazi, que há 29 anos cuida das cabeças que se abrem em seu consultório no Rio de Janeiro. Como psicoterapeuta, ela tem observado de perto as mudanças que estão ocorrendo dentro da nova geração de mulheres de 50, especialmente nas que dizem respeito à busca de sexo e afeto. “O tema prevalece”, atesta.

Junto com as alterações verificadas no corpo e no desejo por conta da menopausa, ela observa que, ultimamente, as mulheres maduras estão se apropriando mais da sua sexualidade, não estão mais se submetendo só às vontade do outro e reivindicam sua necessidade de satisfação sexual – sem dispensar o companheirismo, a amizade e o afeto. Um outro fenômeno é o número crescente de mulheres que experimentam relações homoafetivas porque não encontram um parceiro à altura de suas necessidades.

O turning point dessa geração, na opinião da psicoterapeuta, é o movimento pela busca afetiva. Atualmente, o “capital marital” até é considerado por mulheres que precisam se sentir socialmente aceitas, mas há um grande número que está valorizando sua autonomia como indivíduos. Elas buscam seus projetos próprios e independência e não dispensam a conquista e o exercício de sua liberdade sexual. “Hoje uma mulher pode transar uma noite e não ser mais considerada “galinha”, o mundo mudou em relação ao passado e elas já se permitem escolher”, ressalta a Dra. Rosane Esquenazi.

A internet, na sua opinião, é um brinquedo novo que os adultos estão aproveitando. Com muita conexão e até agora pouca qualidade, mas, mesmo assim, ela diz ver muitos acertos:

“Vejo uma infelicidade muito maior em quem não acessa. Em vez de ir ao encontro, trocar com o outro, desistem, não se sentem bonitas e nem atraentes. A infelicidade surge porque se sentem fora do jogo da conquista e se perguntam: ‘Será que, aos 50, tenho chance ou acabou para mim?’ Neste sentido, quem tem acesso e usa a internet para a busca afetiva se diverte mais – não estou dizendo que são mais felizes, afinal existem encontros e desencontros. Mas a área afetiva não está morta. Quem não tem acesso, não sabe brincar disso. E é difícil “fazer o match”.

Para a psicoterapeuta, quem tem uma sexualidade complicada e precisa de muita confiança, entrega e intimidade para o encontro acontecer, não se sentirá confortável com a ferramenta. “O sexo casual depende de como cada mulher aborda sua própria sexualidade” – explica – “ela deve fazer suas buscas internas e individuais para saber o que quer, se sedimentar, localizar o seu desejo e ter acesso à sua interioridade e complexidade.”

Quem não tem essa propriedade de se impor e se conhecer, terá dificuldade de ter relações mais fortuitas, mas para a Dra. Rosane Esquenazi, esta é uma questão que terá uma solução adiante, já que “todo mundo vai envelhecer e, em algum momento, todos vão querer se conectar profundamente.”

Autorretrato

Rosane Serro: "Vivi histórias. Curiosas. Escabrosas. Ilusórias. Inconsistentes."/ Foto: Ana Lúcia Araújo

Rosane Serro: “Vivi histórias. Curiosas. Escabrosas. Ilusórias. Inconsistentes.”/ Foto: Ana Lúcia Araújo.

 

Tudo o que busquei retratar neste texto se baseia no que li, apurei, observei e ouvi em depoimentos e em experiências de mulheres da minha geração. Entre elas, está a minha própria. Em minha ficha tenho 51 anos, três casamentos totalizando 17 anos de união, separação aos 39 anos e um longo período, 13 anos, sem viver um relacionamento que pudesse ser considerado fixo, oficial, sólido, nutritivo. Ou seja, sem viver um grande encontro de fato. Vivi histórias. Curiosas. Escabrosas. Ilusórias. Inconsistentes. Todas absolutamente díspares das relações estáveis que provei na primeira parte de minha vida adulta.

Depois de me recuperar da separação, resolvi sair em busca de um companheiro. Não para casar, lógico, porque com três casamentos nas costas e um filho adolescente não queria mais compromissos. Mas queria um cara legal, honesto, inteligente, culto e engraçado que gostasse de sexo, cinema, teatro, literatura, museus e artes plásticas. E que fosse de esquerda. E que gostasse de política. E que adorasse viajar. E que também gostasse de mim, naturalmente. Eu queria alguém para trocar. Minhas amigas, óbvio, riam. Ouvi muito que eu ainda estava presa ao mito do príncipe encantado. E também me perguntavam se eu não queria que ele tivesse ganho um Nobel e descoberto a cura do câncer.

É claro que príncipes não existiam. A vida havia se encarregado de mostrar. Por outro lado, eu me recusava a incorporar o papel de Cinderela a ser resgatada ou de Rapunzel presa na torre. Não pretendia ficar passiva, à espera. A vida era minha e o sujeito ativo do meu destino tinha que ser eu mesma. Ninguém seria responsável por minha felicidade ou pela culpa de não tê-la encontrado. Por fim, existia uma direito à liberdade conquistado por muitas mulheres antes de mim que era meu dever usar. Desta maneira estava pronta para assumir erros e acertos.

No War do amor

Portanto, procurei. Não estava desesperada, não se tratava disso. Era uma mistura de necessidade física – afinal, até os bebês definham e encolhem sem o contato humano – como uma curiosidade quase antropológica. Por que os humanos resolveram relativizar e afrouxar os seus laços afetivos? O que estava acontecendo na sociedade ao nosso redor que propiciava essas reações? E ainda: existiria algum homem que pusesse ser meu par? Algum exemplar da espécie moldado num âmbar de 1,84, perdido entre a hecatombe do século XX e a nova era do gelo? E eu, como me devia me inserir nesse mundo novo? Usaria elmo, escudo e armadura ou sairia desfilando por aí qual Lady Godiva em Coventry?

Optei pelo modelo Lady Godiva de elmo. De cabeça protegida, parti para aventura. Vale dizer que, no início, o elmo era cenográfico. Só me dei conta que precisaria um elmo de verdade ao longo do processo. Assim chegou a psicanálise e o elmo foi sendo moldado de acordo com as necessidades. Minha terapeuta foi minha grande parceira nesses embates com o Outro. Voltava sangrando do campo de batalha e ela me mostrava minhas fragilidades, os desacertos, as falhas na defesa, minha falta de visão. Mas acima de tudo, me ensinava a respeitar e ouvir o Outro, o que aquele confronto estava representando em minha trajetória. E me enchia de perguntas sobre as estratégias no War do Amor.

Descobri por conta própria que, no jogo do afeto e do sexo contemporâneos, há que saber selecionar sob pena de abrir crateras do tamanho do Vesúvio no próprio peito. Mas esta sabedoria não veio rápido. Nos últimos 13 anos, ela foi construída em várias etapas. A das saídas frequentes, com shows, a Lapa, os jantares com amigos, os fins de noite pós fechamento com coleguinhas jornalistas, os chopes em pé na Praça, os sambas, as festas de aniversário. Nesse período, me dei conta que há realmente muita gente nesse mundo, mas encontrar alguém que tenha duas afinidades com você, pelo menos, é mais difícil do que bater recorde olímpico.

Depois vieram os sites de relacionamento. Como fui criada numa família típica da sociedade judaico-cristã-tijucana e dos bairros do ramal da Leopoldina do Rio de Janeiro, as figuras da “boa moça” e da mulher liberada ainda se digladiavam no meu subconsciente quarentão. Neste sentido, os sites voltado para relacionamentos “tipo sérios” pareciam ser a solução pois, a princípio, apresentariam candidatos com os mesmos propósitos de compromisso e ainda embutiriam um processo de seleção rápido, reduziam tempo e raio de busca. Só que os homens que encontrei neste ambiente eram muito mais fechados do que eu. Com muitos preconceitos e ideias cristalizadas a respeito de uma relação a dois. Também me deparei com aqueles que queriam ao seu lado as mulheres pasteurizadas vendidas pela mídia. Me surpreendeu a falta de disponibilidade para enxergar a mulher real e sua condição de indivíduo diferente, mas com direitos equânimes. Na verdade, cheguei a enxergar certo cansaço. Como se a nova mulher – ativa, independente, com maior educação formal e consciente – “desse trabalho” ao homem porque pensa, questiona, reivindica. Para esses homens, boas mulheres são aquelas que os acompanham e fazem o que eles querem. Além de ficarem 100% à sua disposição. Depois de algumas tentativas, desisti.

Acho que também foi nesse período que resolvi ser mais séria ainda e busquei os serviços de uma agência matrimonial (por favor, não riam). Escritório com projeto de arquiteto localizado num bairro luxuoso do Rio de Janeiro. Uma hora preenchendo meu perfil. Desde se eu gostava de comida com pimenta a se tinha alergia a gato e era contra o sexo anal. A atendente veio e me entrevistou mais outra hora, não sem destacar a maravilha que era contratar o serviço da agência, a segurança absoluta de encontrar alguém daquela maneira e o espetáculo de candidatos que se apresentavam naquele catálogo. Tudo pelo preço módico de R$ 4.500,00 que valeriam por quatro meses. Eles promoveriam um almoço sempre que eu gostasse de alguém catalogado no seu portfolio, mas não garantiam o sucesso do encontro. Aí fiz duas perguntas simples: quantas mulheres estavam cadastradas no serviço e quantos homens. Aí veio a pausa da moça… 400 mulheres contra apenas 60 homens. Portanto, meu universo de pesquisa era de apenas 15%. E quem diria que eu seria bem sucedida nesse conjunto tão pequeno? Sem dúvida, eram os almoços mais caros da história. Claro que não paguei para ver.

Mundo fast food

Foco nas relações. / Foto: Rosane Serro

Foco nas relações./ Foto: Rosane Serro

E assim chegamos à segunda década do século XX. O tempo passou para mim e para todos à minha volta. Os homens, as mulheres, o sistema, a indústria tecnológica e as telecomunicações se modernizaram e até os Millenials cresceram e se multiplicaram pelas esquinas, pelos bares, pelo mercado de trabalho, pelas redes sociais, padarias e pelas ruas com Pokemon Go. A vida se acelerou e os sites de relacionamento serviram de inspiração para o desenvolvimento de aplicativos para celular bem mais imediatistas.

A primeira vez que vi um aplicativo desses foi em horário de trabalho, lá pelos idos de 2009. Uma colega de sala comentou que suas amigas não saíam mais de um tal de Badoo. Eu não entendi muito bem: era chat? Bate papo? Linha cruzada? Não. Era um lugar onde os homens ficavam todos juntos e você escolhia. Como é que é? Mostra. Me lembro perfeitamente da estupefação que senti. Não era exatamente como ela disse. Os homens não estavam juntos, eles eram uma mercadoria numa prateleira em que você dizia esse sim, esse não e ia descartando um por um. Fiquei absolutamente chocada com a reificação, ou seja a objetificação dos seres. Era a descartabilidade vigente no sistema capitalista invadindo as relações humanas. De brincadeira, selecionei um rapaz e iniciamos uma conversa. Em poucos minutos descobri que ele era casado, trabalhava numa plataforma de petróleo, estava embarcado e usava o aplicativo para matar o tempo. Desliguei na hora. Aquilo não era pra mim.

Uns dois anos mais tarde, me rendi à onda do Tinder. O mundo já estava dominado mesmo, as amigas mais jovens relatavam como era interessante conhecer tanta gente diferente ao mesmo tempo e sem sair do lugar. Fui experimentar. Selecionava-se o gênero, a idade e o raio de localização. E lá vinham os personagens mais curiosos que se pode ter notícia. Eu fazia o que a maioria das mulheres fazia ou ainda faz: no início, eu levei o Tinder a sério. Então onde a maioria dos homens encontrava uma ferramenta para obter sexo fácil, eu enxergava possibilidade de relacionamento. Mas sabe o que eu mais curtia de fato? Mirar as fotos e calcular o estilo de vida de cada um. Era divertidíssimo.

Manda nude

O Tinder merece um estudo antropológico de fato. É impressionante como a imagem que os homens oferecem de si – e, ao que parece, as mulheres também, segundo relatos de amigos – são replicadas em série de acordo com a classe social ou a localização geográfica. Exemplo: homens mais abastados fazem questão de ostentar símbolos de poder: carros, motos, relógios e são fotografados ao lado de modelos, manequins ou aspirantes. Homens mais humildes gostam de mostrar os locais que frequentam, como o churrasco com os amigos, a ida ao futebol, o domingo na praia, a balada noturna. Sempre com muita gente em volta. Se têm sorte, também colocam uma mulher bonita para acompanhar e aumentar seu capital sexual. Imagens que transcendem classes sociais: homens vestidos com camisas de seus times e homens de sunga fazendo hang loose. Em uma ida à Argentina abri o aplicativo para matar minha curiosidade antropológica e devo dizer: os argentinos ganham dos brasileiros no quesito originalidade. Do outro lado do Rio da Prata, todos estão fazendo alguma coisa quando se aperta o obturador: lendo, cavalgando, jogando pingue pongue, dançando milonga, ordenhando uma vaca, dando palestra, falando ao telefone. Ah sim! E todos estão vestidos. Elegantemente vestidos.

Tive várias conversas, poucos encontros, um bem sucedido e todos os outros desastrosos. Como se trata de um modus operandi de conquista absolutamente novo, ainda não há um código social que sugira uma forma de aproximação online ou de encontro decorrente dela. Por exemplo, não há nenhum registro – da Bíblia à Constituição de 1988 – sobre o que uma mulher deve fazer quando depois de um “Oi, tudo bem”, recebe a foto de um pênis ereto em close. Nada contra, claro, viva o corpo masculino, mas você não estava tentando estabelecer comunicação com um cérebro que produziria sinapses para lhe responder alegremente: “Tudo ótimo”?

Quando recebia essa imagem como resposta, achava que por trás dela não haveria um corpo e muito menos um cérebro. Mas a desconfiança se transformava em certeza quando ponderava “olha, não faz isso não. Não tá na hora…” e, em vez de um pedido de desculpas, recebia mais um nude. E outro. E mais outro. É, o mundo dos relacionamentos virtuais é cheio de riscos. Melhor não consultar as páginas de sexologia forense. Em uma conversa online, quando me declarei socialista, o sujeito do outro lado da foto posada com um charuto Cohiba disse que iria me torturar porque lugar de comunista era no inferno. Compareci a um encontro – em local público, em meio a um show – em que o empresário, pai de dois filhos, levou 7 minutos para dizer que era eleitor do Bolsonaro. Respirei fundo, informei que deveria ser honesta e que absolutamente nenhuma conversa seria possível a partir daquele instante. Paguei minha própria conta e fui embora.

Após somar um tanto de experiências malogradas cheguei à conclusão que aquele também não era o meu lugar. E que talvez os homens básicos, com retidão de valores, estariam em falta no mercado. Ou estavam longe do meu raio de visão. Ou eu não os compreendia porque falavam javanês. Tratava-se de um descompasso evidente. Porém, uma certeza restou. Apesar da curiosidade me levar por caminhos espinhosos, passar por este processo havia me tornado uma mulher muito mais sólida e emocionalmente arguta do que antes. A cada desencontro, avaliava que ação do Outro havia me feito mal, porque, como esta ação dialogava com os traumas do passado e o que ela me trazia de novo. Equação resolvida, o resultado era sempre positivo: havia descoberto mais um aspecto a respeito de minha individualidade: “isto eu não quero, daqui eu não avanço, daqui ninguém passa”. O contato com os homens errados nesse período me ensinou mais sobre autoestima, respeito e relacionamentos do que se eu tivesse tido três namorados de quatro anos cada que fossem religiosamente ao cinema aos sábados e à missa aos domingos.

O fato é que havia chegado aos 50 anos. A juventude se despedindo, a possibilidade de um encontro real cada vez mais distante, vontade zero de ter vida social intensa como no passado, as dúvidas a respeito da nova identidade chegando… e foi neste momento que tomei a decisão de resolver de maneira prática e objetiva o problema de aquisição de afeto e sexo. Teria ficantes fixos. Conversei com amigos com quem já havia tido uma aproximação no passado e estabelecemos uma relação de honestidade, carinho e amizade. Pronto, estava livre dos perigos da loteria do mundo moderno.

Somewhere over the rainbow

No fim do verão de 2015, Mônica Botkay, fotógrafa e amiga há 25 anos, me chamou para um vinho em sua casa. Deveríamos nos reunir em torno de um outro grande amigo fotógrafo que estava na cidade de passagem. Quando entro na sala e me dirijo à varanda onde estão todos, avistei um homem sorridente que foi logo se levantando. Fui direto cumprimentá-lo e lhe estendi a mão (que brasileiro cumprimenta outro apertando as mãos nos dias de hoje?!). Ele disse: “Meu nome é Caique.” Eu devolvi: “Eu sei. Meu nome é Rosane”. Caique vinha a ser o irmão da Mônica. Escritor, compositor, diretor musical, diretor cênico, autor, tradutor, instrumentista e produtor em mais de 100 espetáculos, desde a década de 70. Eu já o conhecia, bem antes de travar contato com Mônica, aos 28 anos de idade. Na adolescência, gostava de teatro e lia as críticas nos jornais. Ele sempre era citado positivamente.

Fiquei encantada com aquele homem, mas ao contrário de todos os outros, não houve o ímpeto da conquista que explode muros. Caique foi se sedimentando dentro de mim. Um recado pela Mônica, uma saída para uma manifestação, o adicionar mútuo no Facebook, as primeiras conversas no Inbox e finalmente um jantar aqui em casa, também entre amigos, onde nos primeiros cinco minutos, às gargalhadas, decidimos escrever juntos um livro de baixa estima. Pois nunca mais paramos de gargalhar juntos. O compositor que viveu o auge do amor livre pediu a feminista em namoro. No segundo dia, decidimos criar uma escola de arte para crianças carentes na Baixada Fluminense (A Roda, girando a caminho de se tornar realidade). Na primeira semana, marcamos uma viagem longa para o ano seguinte. E aqui estamos, a caminho dos cinco meses de dias sempre muito intensos.

Caique chegou na hora certa. Essa frase embute mil significados, para mim e para ele. Uma verdadeira história de amor após os 50 anos entre duas pessoas mentalmente saudáveis é uma das experiências mais ricas que pode haver, descubro agora. Em primeiro lugar, ambos já tiveram suas experiências, já erraram tudo o que deviam e têm consciência dos seus limites. Em segundo lugar, o único compromisso firmado é o da liberdade, da alegria e do prazer. Não estamos juntos por nenhuma convenção social, nenhuma necessidade de capital marital e muito menos porque estávamos carentes. A vida dos dois estava equacionada, com filhos crescidos, residência fixa, trabalho reconhecido. Não deixamos espaço para manipulações, paranoias e nem para pequenezas que venham nos contaminar. Optamos pela honestidade absoluta, sem medo. Temos arestas, lógico, somos de diferentes origens, famílias, costumes, gêneros. Mas tudo é resolvido na conversa. Ele me ajuda a crescer, tenho amadurecido décadas. E ao mesmo tempo nos sentimos como se tivéssemos 17 e 19 anos, apesar de termos 52 e 65, respectivamente.

Rosane e Caique: "A natureza é sábia e exuberante tanto aos 30 quanto aos 65"/ Foto: arquivo pessoal

Rosane e Caique: “A natureza é sábia e exuberante tanto aos 30 quanto aos 65.”/ Foto: arquivo pessoal

 

Sim, os 65 anos de Caique fazem parte do baú de surpresas que essa história guarda. Eu nunca havia me relacionado com um homem desta faixa etária, portanto, tinha meus temores naturais. Solteiro há alguns anos, Caique se relacionava com mulheres de várias idades, logo era totalmente resolvido no quesito que para mim era uma incógnita. Pois não só tocamos de ouvido desde o princípio, como abolimos o Viagra inicial que os homens costumam usar qual cinto de segurança. E, companheiras, tenho uma ótima notícia: a natureza é sábia e exuberante tanto aos 30 quanto aos 65. Basta aceitar fazer parte dela, tomar banho de igarapé à noite, comer manga de lambuzar, dançar nua pra lua. Sexo é cabeça. Se você gosta de praticar, se você goza com a vida, abre-se e brinca, ele não acaba, ele é extensão do que você pensa e sente. Simples assim.

Nosso final feliz é todo dia, este é o prazo. Mas do resto, não sei de nada. Tudo bem que ele é o tal cara de esquerda, com 1,84cm, que ama política, é honesto, inteligente, culto, engraçado, viajante e gosta de sexo, cinema, teatro, literatura, museus e artes plásticas com quem tanto sonhei. Mas não faço ideia do que pode acontecer de bom ou de ruim com o que vivemos. Eu não sei do futuro, da sexta-feira à noite ou do felizes para sempre. Eu não sei de nada. Eu só sei que um cheirou no outro uma fome na alma e essa não tem limite.

Rosane Serro, especial para Mulheres50mais

Rosane Serro, especial para Mulheres50mais

Jornalista há 31 anos, Rosane Serro é Publisher do website Mulheres do Mundo, voltado para mulheres que viajam sozinhas. Mestre em Comunicação e Cultura (UFRJ) e com Pós-Graduação em Cinema Documentário (FGV-Rio), é flâneuse, usuária de teletransporte e só escreve porque senão definha e morre. Já cobriu mercado financeiro, mineração, informática, economia e petróleo, mas se completava estudando teatro, dramaturgia e cinema. Aos 29 anos lançou seu primeiro livro de poesias ("Quarenta processos", Ed. Sette Letras), mas até os 90 quer escrever outros, fazer museologia, morar em Cuba, no Laos e em Moçambique e fazer do Brasil um país de verdade.

8 Comments

  • Fernando Carneiro

    Meus parabéns , que belo depoimento-matéria, corajosa, um belo e auspicioso começo…

    18 de agosto de 2016 em 8:35 pm
  • Hora Feres

    muito legal…gostei demais de ler isso…simplesmente revelador e sincero…gosto disso…precisamos disso…não apenas para “elas”…é para todos…Rosane é uma mulher resolvida, ou resolvendo-se a contento…é isto é importantíssimo para as sequencias…amei…

    18 de agosto de 2016 em 9:45 pm
  • Maria Emiia Algebaile

    Parabéns! Belo texto! Abrangente e verdadeiro, expõe com leveza e maturidade uma grande questão feminina da atualidade!

    18 de agosto de 2016 em 10:20 pm
  • Suzana

    Rosane
    Me diverti muito lendo seu artigo, sobretudo pq me vi em algumas situações, semelhantes às que vc viveu…
    Em tempos de amores líquidos e ralos (Rsrs), nós mulheres nascidas nos anos sessenta fomos impelidas, por razões óbvias, a correr atrás dos prejuízos herdados das nossas mães. Fomos forjadas na luta diária da jornada tripla de trabalho, adquirimos força para criar filhos, construir carreira, e sermos independentes financeiramente ( o que , diga-se de passagem , pira com a cabeça linear dos nossos supostos candidatos a namorado). Tá , diante disso o que observo cada vez mais perplexa é o seguinte:
    Como são capazes de nos oferecer tão pouco?! E o pior … Não percebem
    Isso!!
    Às vezes tenho a sensação de que alguns querem uma relação com eles próprios Rsrs! A mulher é apenas o instrumento de um conteúdo narcísico !
    Affff! Será que me tornei o avesso da Cinderela?
    Meus critérios até são parecidos com os seus. Ok dispenso os metro e oitenta e tantos… Ser de esquerda é fundamental, por uma questão de cosmovisão. Mas uma
    Única coisa é imprescindível … Tem que conseguir olhar pra mim !
    Sinceramente… Ando preferindo comer brigadeiro!
    Quem
    Sabe , dia desses , ainda dou uma sorte !
    Beijos

    19 de agosto de 2016 em 9:46 pm
  • Elida

    Amei! Esse texto e uma maravilha q caiu como uma luva para o que tenho vivido. Obrigada, obrigada!!!

    7 de setembro de 2016 em 1:02 pm
  • Juliana

    Rosane, comecei rindo e terminei chorando.
    Lindo o seu texto, obrigada pela honestidade.
    Coisa difícil hoje em dia, ainda mais quando ficamos mais velhas.

    26 de outubro de 2016 em 7:05 pm
  • Elizabete

    Adorei o texto!

    4 de novembro de 2016 em 5:28 pm
  • beth

    Em nossa idade (no meu caso, 60+), não há “recomendações”. Cada caso é um caso, todos podem ser interessantes. Excetuando o limite político-ideológico (insuportável pensar num parceiro de direita), absolutamente compreensível, os demais não podem ser rígidos. Idade, nível cultural, estado civil, escolha entre ficar ou namorar, casos ou sexo casual, etc, são todos aspectos que a moralidade burguesa nos impõe e que a esta altura da vida deveríamos saber identificar e desprezar. Ser 100% livre depois dos 50 (e ainda mais dos 60) é absolutamente vital. Isso ou desistir da vida sexual.

    8 de fevereiro de 2017 em 2:40 pm

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