Reposição hormonal: bem ou mal-me-quer?

“Dar sempre hormônio ou não dar nunca é igualmente um erro. O tratamento tem que ser individualizado”, afirma o ginecologista Hugo Miyahira. Para ele, a reposição hormonal é uma decisão complexa, que deve levar em conta os riscos e benefícios para cada paciente.

Fazer ou não Terapia de Reposição Hormonal? Essa é uma questão com a qual todas as mulheres se defrontam após a menopausa, mas, na hora de decidir, sobram dúvidas, falta informação. No Brasil, uma em cada cinco mulheres já passou pela menopausa. São 23 milhões de brasileiras, de 50 anos ou mais, que devem participar, com seu médico de confiança, das decisões que dizem respeito à sua saúde. Para isso, precisam estar bem informadas.

Os argumentos pró e contra variam amplamente. De um lado, a necessidade de melhorar a qualidade de vida, eliminando um leque de sintomas desagradáveis e prevenindo doenças vasculares, osteoporose e outras. Na outra ponta, o medo de que a reposição hormonal aumente o risco de câncer, em especial o de mama.

Para o presidente da Comissão de Ginecologia da Associação de Ginecologia e Obstetrícia do Rio de Janeiro e professor doutor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Hugo Miyahira, a reposição hormonal é uma decisão complexa, que deve levar em conta os riscos e benefícios para cada paciente:

“Já houve época em que se dizia que hormônio só fazia bem. Foi um exagero. Como toda medicação, tem efeitos colaterais. Mas o oposto também é um erro. O primeiro cuidado deve ser não prejudicar, nem por excesso, nem por falta. É fundamental individualizar o tratamento ”, afirma.

A seguir, os principais tópicos da entrevista.

ETERNAMENTE FEMININA – “Não é de hoje que a TRH (Terapia de Reposição Hormonal) causa polêmica. Em 1966, o ginecologista Robert Wilson publicou, nos Estados Unidos, o livro “Feminin Forever” (Eternamente Feminina), em que defendia a reposição do estrogênio como uma fórmula da juventude. As críticas ao estudo ganhariam força na década seguinte. Até lá, o livro — festejado pela indústria farmacêutica — transformou-se em best-seller e as vendas de hormônio quadruplicaram.”

ALERTA – “Em 2002, o estudo Women’s Health Initiative (WHI), que analisou 16.600 mulheres entre 50 e 79 anos, foi interrompido ao constatar que o uso de hormônios aumentou o risco de doenças cardiovasculares e câncer de mama. Houve crescimento de 26% do risco relativo entre mulheres com 63 anos e com sobrepeso (Índice de Massa Muscular = 28,3) que fez a reposição hormonal na comparação com o grupo que não fez. Risco relativo é diferente de risco absoluto. Significa que, em cada 10 mil mulheres nessa idade e com esse IMC, que não fazem TRH, observam-se 30 casos de câncer de mama em um ano. O estudo mostrou que se esse mesmo grupo fizesse a reposição hormonal com a dosagem da época, ao longo de um ano, haveria 38 casos de câncer. Oito casos a mais, portanto, ou menos de um caso a cada mil mulheres.”

IDADE E OBESIDADE – “A incidência de câncer de mama aumenta com a idade e, habitualmente, não se inicia a reposição hormonal aos 63 anos. É bom estar atento ao fato de que, se a mulher tiver IMC igual ou superior a 30, sendo, portanto, obesa, o risco relativo, sem qualquer hormônio, aumenta em mais de 100%. Calcula-se o IMC dividindo o peso (em Kg) pelo quadrado da altura (altura x altura) em metro. O ideal é este índice ficar entre 18 e 25”.

MENOPAUSA  -  “É errado dizer ‘estou na menopausa’. Menopausa é a data da última menstruação, ocorrida há um ano. Para falar do período em que os ovários deixam de produzir hormônios, o correto é climatério.”

O médico e professor doutor da UFRJ, Hugo Miyahira / Foto de Ana Lúcia Araújo

O médico e professor doutor da UFRJ, Hugo Miyahira / Foto de Ana Lúcia Araújo

“Todo medicamento tem efeito colateral, de AAS a anti-inflamatórios. O desafio é avaliar riscos e benefícios.”

SINTOMAS – “Variam de uma mulher para outra, dependendo do ritmo de oscilação dos níveis hormonais e da sensibilidade individual. A irregularidade menstrual e a hemorragia estão entre os primeiros sintomas que podem preceder a menopausa. Os mais frequentes incluem ondas de calor (fogachos), insônia, perda de libido, irritabilidade, depressão, ressecamento vaginal, dor durante o ato sexual, diminuição da atenção e da memória. É comum que um sintoma leve a outro. O fogacho faz com que a mulher durma mal, o que gera cansaço e irritação. Entre os sintomas tardios da menopausa estão urgência e infecção urinária e atrofias genitais. Toda mulher produz um pouco de hormônio masculino. Com a queda nos níveis de estrogênio, os de androgênio sobem e podem provocar o aparecimento de pelos na face.”

INÍCIO DA REPOSIÇÃO –  “Dar sempre hormônio ou não dar nunca é igualmente um erro. O tratamento tem que ser individualizado. Se tiver que dar hormônio, deve-se começar logo após a menopausa, nos primeiros quatro ou cinco anos. Ou então é melhor não receitar. Alguns autores estendem esse prazo a dez anos. Isso porque a reposição, iniciada mais cedo, melhora o sistema vascular, dificultando a formação de placas. Sem o hormônio, a formação de placas é mais frequente e aí, ao começar a tomar mais tarde, o estrogênio pode, nessa placa, aglutinar plaquetas e levar a um infarto ou lesão vascular.”

BENEFÍCIOS DA TRH – “Um dos benefícios do estrogênio é reduzir o risco de problemas cardiovasculares. O hormônio baixa o colesterol total, eleva o bom colesterol e também age localmente na parede do vaso, produzindo óxido nitroso, que dilata o vaso. A TRH reduz ainda o risco de osteoporose, o ressecamento vaginal, ajuda a combater a insônia, a falta de lágrimas (síndrome do olho seco) e outros sintomas que afetam a qualidade de vida da paciente”.

RISCOS -  “É essencial conhecer bem o histórico da paciente. Se ela for hipertensa, o hormônio por via oral pode elevar a pressão e causar trombose, infarto ou acidente vascular cerebral. Isso não quer dizer que não possa fazer a TRH: se ela toma medicação e a pressão está controlada, pode-se cogitar de hormônio sob a pele. Quem já teve câncer de mama ou tumor estrogênio-dependente não deve fazer reposição. O mioma, embora seja um tumor estrogênio-dependente, não é, necessariamente contraindicação ao uso de TRH. Vai depender de sua localização e da droga a ser utilizada. Também não é recomendável a reposição a pacientes com histórico de trombose ou tromboembolia. Neste caso, se por algum motivo a reposição for necessária, é preciso muito controle”.

RISCOS x BENEFÍCIOS – “Todo medicamento tem efeito colateral, de AAS a anti-inflamatórios. O desafio é avaliar riscos e benefícios. O médico precisa conhecer sua paciente, fazer uma anamnese. Os exames são complementares. É importante esclarecer que o estrogênio não é um fator iniciador do câncer (como o vírus HPV ou a irradiação), mas é um fator promotor, ou seja, favorece a proliferação da doença depois que a célula já está cancerosa e, mesmo assim, apenas se a célula tiver receptor para estrogênio.”

DURAÇÃO –  “Costumo dizer que a duração é até o ano seguinte quando, em nova consulta, com novos exames, poderemos decidir se o melhor será continuar, interromper ou modificar o tratamento. Tudo depende de um conjunto de fatores a serem analisados e da reação de cada paciente, considerando, sempre, riscos e benefícios. Por isso, a reposição hormonal tem que ser individualizada e quem faz TRH deve se consultar pelo menos uma vez por ano.”

MODISMOS  –  “Muitas pessoas vivem de modismos e não são poucos, da barbatana de tubarão ao DHEA. A medicina também os tem. Na minha avaliação, fitohormônios não valem como reposição hormonal. Soja não vale como reposição hormonal. E o problema dos hormônios bioidênticos é a falta de controle de qualidade.”

MUITO ALÉM DA TRH –  “A Terapia de Reposição Hormonal é um dos fatores que contribuem para a qualidade de vida após a menopausa, mas não o único. Os cuidados que as mulheres devem ter começam pelo estilo de vida: não fumar, consumir pouco ou quase nada de bebidas alcoólicas, fazer atividades físicas, ter alimentação saudável. Cuidar da emoção é fundamental, já que o estresse interfere no sistema imunológico, e também controlar o peso, pois o excesso sobrecarrega o coração. As mudanças após a menopausa geram ainda sintomas psicossociais que requerem aconselhamento e uma boa relação médico-paciente.”


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Regina Eleutério

Regina Eleutério

Trabalhou por mais de 20 anos em redações de grandes veículos (“O Globo”, “Folha de S. Paulo”, TV Globo, “Jornal do Brasil” e CBN), exercendo diferentes funções, de repórter a editora e chefe de Redação. Atuou por dez anos na área de Negócios, como gerente-geral de Produtos do jornal “O Globo”, sendo responsável pela gestão de projetos de mídia, em conjunto com Marketing, Redação e Comercial na criação de eventos e produção de conteúdo. Em 2014, começou a dar aulas no Curso de Jornalismo na ESPM e, desde 2015, é sócia-diretora da empresa Nau Comunicação. ​Graduada em Jornalismo pela UFRJ e com especialização em Marketing pelo Coppead/UFRJ. Mãe de Maíra e Lucas, essa mineira que já morou fora do Brasil, adora viajar, passar uns dias na fazenda e montar quebra-cabeça.

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