Pensamentos sobre a invisibilidade

Acredito que eu tenha começado a me tornar invisível há cerca de dez anos. Não sei precisar porque não aconteceu de uma hora para outra, foi, como gostam de dizer, um processo. No início, pessoas na casa dos 20 anos pararam de se dar conta da minha presença. No elevador, sabe?, ou numa loja. Em filas, também. Falando aquelas bobagens, aquelas intimidades de jovens, só compartilhadas no ambiente restrito de seus pares, na segurança de que ninguém está por perto para julgar ou punir.

Depois, foi piorando. Fui deixando de ser percebida sem distinção de gênero ou idade, na rua, no mercado, no metrô. Ninguém olha para mim – possivelmente, enxergam através de mim, dessa tal invisibilidade que, custei a entender, é adquirida quando se chega a um estágio da vida chamado mulher de meia idade. Tenho razões para crer que o fenômeno é mais comum de ser detectado entre as representantes do sexo feminino. Um homem de 50 anos é o sujeito para quem o garçom entrega a conta, o manobreiro se dirige para pegar a chave, a recepcionista larga o telefone e dá atenção.

A mulher de meia idade, não, é um ser amorfo, indistinto, vagamente loura, vagamente gorda, vagamente de óculos, vagamente reclamando de algo, vagamente vagando. Claro, há situações em que essa mulher está no comando, é uma autoridade no trabalho ou no lar. Mas quando não se sabe disso a respeito dela, PUF, ela se desvanece na bruma outonal do climatério.

A minha invisibilidade não tem a ver com o fato de ser solteira ou casada, bonita ou feia, solitária ou cheia de amigos. Não tem a ver com a minha vida, de fato – e quem me conhece sabe que falo demais para passar exatamente em branco… Tem a ver com a maneira como sou rotulada socialmente. Com a primeira percepção que uma mulher da minha idade desperta. Com o primeiro olhar que recebo.

Isso exige que você tenha de se desenhar para ganhar contornos. Pode errar a mão e achar que resolve com um brincão ou uma calça com estampa do Romero Brito. Mas o problema é mais complexo. Esse desenho não é uma externalidade. É maior do que autoafirmação que, convenhamos, se não ganhamos alguma até aqui, deixapralá. É um desenho militante, uma demonstração sincera e cabal de sua identidade. É um não rotundo aos elixires de juventude e a frases como “não me sinto com essa idade”. O que quer dizer isso? Ao negar todos os anos de vivências e experiências, só estamos justificando o manto da invisibilidade que recai sobre nós a partir da perigosa curva dos 50.

Pode ser um bom começo nos tornarmos visíveis para nós mesmas.

Olhar para o espelho, reconhecer e se identificar com a mulher que nos fita de volta, essa velha conhecida que – não importam as rugas, as linhas mais endurecidas do rosto, os fios brancos – nos tranquiliza, aqui estou eu, penso, logo, existo.

Acho que vou apresentar essa mulher por aí.

Eliane Azevedo, especial para Mulheres50mais

Eliane Azevedo, especial para Mulheres50mais

Eliane Azevedo é jornalista e trabalhou nas principais redações do país como repórter e em cargos de chefia. Nos últimos anos, vem atuando em empresas e agências de comunicação nas áreas corporativa, gerenciamento de crises e gestão de mídias digitais. É autora de livros institucionais e também ghost writer. Tem 53 anos e vai demorar muito tempo para se aposentar...

2 Comments

  • Rosa

    Realmente é bem assim, estou escrevendo para ver se ainda posso ser vista? Você sabe eu existoooo

    28 de agosto de 2017 em 7:53 pm

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