Para viver a alegria é preciso enfrentar as tristezas

Num mundo em que cada vez mais pessoas são diagnosticadas com depressão, transtornos de ansiedade e outros males, qual o segredo de envelhecer com a mente sã? Muitas vezes, a tristeza se instala sem pedir licença quando, lá pelos 50 ou 60 anos, alguns acreditam que o melhor da vida já passou e não há grandes projetos ou conquistas pela frente. Ou quando se dão conta de que algumas relações “fracassaram” e muitos amigos já partiram. Como distinguir a tristeza de uma depressão? Como encarar a passagem do tempo com sabedoria?

Para discutir estes e outros pontos, o Mulheres50mais conversou com Wania Cidade, presidente da Sociedade Brasileira de Psicanálise do Rio de Janeiro, e que tem uma experiência de 33 anos de consultório. Ela nos ensina como é importante o exercício constante de se questionar, de se autoconhecer para, a partir daí, valorizar a trajetória de vida e aceitar o processo de envelhecimento.

Wania Cidade: “Se você entra em conflito com a sua existência, instala-se um problema” / Fotos de Ana Lúcia Araújo

“A saúde mental depende do percurso da vida, de como a pessoa viveu, de como encara o fato de envelhecer. Depende se ela aceita aquele como um processo natural, ou se vê pressionada pelas exigências de beleza e jovialidade. Se você entra em conflito com a sua existência, instala-se um problema”, afirma.

No processo de envelhecimento, assim como em outras fases da vida, ter vínculos é importante. Mas por que muitos se sentem sozinhos com o passar dos anos? Até que ponto a solidão contribui para a tristeza?

Relações importam _ “Se a pessoa teve relações sólidas a vida inteira, vínculos fortes, inclusive alguns iniciados na infância e que se prolongam até a idade madura, então não vai se sentir só. Se ela se mantém ativa, ligada ao seu entorno, não vai ser tão afetada pela solidão. Freud dizia que, para não adoecer, é preciso amar. E, para amar, é preciso o outro, alguém com quem você dialogue, por quem se sinta reconhecido e compreendido, mas que também seja alguém capaz de expor uma contradição sua”.

Num mundo de centenas de “likes” e amigos virtuais, Wania fala da importância de cultivar a relação pessoal, o hábito de encontrar as pessoas. Ela se diz espantada com a intensidade da troca de mensagens eletrônicas, em detrimento do contato telefônico e pessoal. E essa comunicação à distância pode gerar equívocos e mal-entendidos de todo tipo. O antídoto são os encontros olho no olho: “Ali, diante de você, tem a entonação, o gestual, as expressões…”.

E prossegue: “Por mais que a gente converse e tenha afinidade de pensamento com o outro, algumas decisões implicam um ato solitário, algo que não pode ser delegado, sob pena de um esvaziamento interno. Cada um precisa aprender a lidar com seu processo de envelhecimento, suas limitações. Não dá para chegar aos 60 anos e querer ter o vigor e a mesma disposição dos 20. Por exemplo, se for dormir tarde e tiver que acordar cedo no dia seguinte para trabalhar, preciso estar ciente de que aquele gesto terá uma repercussão no meu dia e aí decido o que devo fazer”.

Autoconhecimento _ Evitar olhar excessivamente para o passado também ajuda a manter a mente saudável. “Para nós, psicanalistas, desde o primeiro dia da vida, estamos morrendo. Um dia a mais é um dia a menos. Se a gente se fixa muito no passado, deixa de viver. E também não adianta sofrer com o que pode vir (de mau) no futuro. Paulinho da Viola canta que meu tempo é hoje, que não existe amanhã para mim. Acho fantástico porque ele está dizendo que é preciso viver o agora.”

 “Eu sou assim
Quem quiser gostar de mim eu sou assim
Eu sou assim
Quem quiser gostar de mim eu sou assim

Meu mundo é hoje

Não existe amanhã pra mim
E sou assim
Assim morrerei um dia
Não levarei arrependimentos
Nem o peso da hipocrisia

Eu sou assim…”

(trecho de “Meu Mundo é Hoje”, de Wilson Batista, gravada por Paulinho da Viola)

Para a psicanalista, os versos resumem também a importância de se gostar e se compreender. E esse processo de acesso ao mundo interior _ seja por um trabalho de autoconhecimento, ou por um processo de análise _ pode se revelar muito rico. E explica: “A pessoa começa a se reconhecer, enxergar sua responsabilidade no que acontece na sua vida e também passa a ter mais capacidade de fazer mudanças. Pode se sentir mais livre, mais autorizada a dizer o que pensa e o que sente e, assim, lidar melhor com o envelhecimento. Escuto muito as pessoas dizerem que são mais felizes agora do que quando tinham 20 anos”.

Lidando com as diferenças _ Mas a troca com os mais jovens também é importante: “Eles trazem frescor, uma maneira própria de olhar o mundo que, às vezes, é muito diferente da nossa. Mas você não pode ficar de censor, numa visão moralista. Do contrário, não aproveita o que eles têm para oferecer”.

A convivência com visões divergentes, aliás, é um ponto que Wania aborda com preocupação:

“Hoje, estamos vendo uma inaceitação do outro. As pessoas têm seus preconceitos, mas têm que ter respeito. Respeito pela diferença. As pessoas se autorizam a dizer barbaridades e não imaginam o dano que aquilo pode causar. Se autorizam a ser violentas na palavra. Tudo isso, penso que reverbera quanto mais velho você fica. Vai fazendo mal, gera raiva, amargura e, naturalmente, a pessoa se frustra porque a diferença se apresenta o tempo todo na nossa vida”.

Depressão x tristeza _ Indago por que a depressão vem aumentando _ pelos dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), já são 11,5 milhões de brasileiros com a doença _ e como distingui-la da tristeza, de uma certa melancolia na velhice. “A vida passou a ser medicalizada. A depressão necessita de medicamento, é uma doença muito séria e, às vezes, é difícil de ser diagnosticada. Mas há também aquelas pessoas que estão tristes porque perderam um ente querido, perderam um amor, um emprego ou não estão satisfeitas com alguma coisa e isso passa a ser patologizado.”

A tristeza tem um tempo de duração? Como saber?

“Cada um tem o seu tempo interno. Há pessoas que viveram situações muito traumáticas. Perderam pai, mãe, irmãos e, de repente, uma relação mal sucedida vai gerar uma tristeza enorme. Porque uma tristeza chama outras. Tristeza são acúmulos.  Se você vai a um funeral de um amigo, por exemplo, automaticamente lembra de outras pessoas que perdeu. Aqueles lutos vêm à tona. E há pessoas que têm mais dificuldade de sair de uma tristeza e ela pode, de fato, virar uma depressão. Depende dos recursos internos que essa pessoa tem”.

Mas a psicanalista dá um alerta importante: ficar triste é tão importante quanto ficar alegre: “Terminar uma relação amorosa ou romper com um amigo, por exemplo, deixa a pessoa num estado de tristeza. Mas a gente só tem capacidade de ficar alegre se tiver também capacidade de entristecer”.

E, muitas vezes, as pessoas se esquecem de valorizar as pequenas conquistas e alegrias do seu cotidiano, como ler um livro, assistir a um filme, ir à praia ou tomar uma cerveja. “Para algumas pessoas, as necessidades da vida impedem que tenham esses momentos de lazer. Pessoas que precisam trabalhar muito para sustentar uma família, uma casa, têm dificuldades de parar para descansar. Nesse caso, tirar uma semana de férias para fazer nada é uma conquista”.

Para finalizar, Wania dá uma receita simples para enfrentar os medos do futuro: “A gente deve ter alguns cuidados, com a saúde, com a parte financeira. Mesmo sendo saudável, tendo conhecimento, a gente não tem controle (da vida) e é uma pretensão querer ter. É preciso estar preparado para as surpresas que fazem parte da vida”.

Cristina Alves

Cristina Alves

Tem um gostinho especial por trabalhar em equipe. Carioca, criada no Méier, subúrbio do Rio, tem experiência de mais de 25 anos de jornalismo diário. Participou da cobertura e/ou edição de todos os planos de estabilização do Brasil pós-redemocratização. Sua relação com o jornalismo econômico começou quando era “foca” no “Jornal do Commercio” e ainda cursava a Escola de Comunicação da UFRJ, onde se graduou. Fez especialização em Políticas Públicas na UFRJ e tem MBA de Petróleo e Gás pela Coppe-UFRJ. Trabalhou ainda no “Jornal do Brasil” e em “O Globo”, onde foi editora de Economia entre 2007 e 2014, depois de atuar como repórter e subeditora. Cobriu por diversas vezes o Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça. Desenvolveu diversos produtos editoriais para plataformas impressa e digital. Hoje, é sócia da empresa Nau Comunicação. Casada, é mãe de João e Antônio. Adora mergulhar num bom livro.

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