Há 11 anos no Brasil, o cabeleireiro francês Ludovic Le Heutre defende que o corte mais adequado, em qualquer idade, leve em conta o ritmo de vida da mulher./ Fotos Ana Lúcia Araújo.

Nosso tempo nos fios de cabelo

Para cabeleireiro francês, a mulher de 50 anos deve assumir a nova fase em vez de usar a aparência para parecer mais jovem. 

Que mulher, em algum momento, não invejou a elegância de Christine Lagarde, a poderosa diretora do Fundo Monetário Internacional? Aos 60 anos, ela exibe cabelos brancos e bem cortados, que lhe conferem um visual moderno e ousado. Sempre que a vejo, penso: é bonito, mas não é para mim.

Para falar de cor, corte e cuidados dos cabelos femininos após os 50 anos, ouvimos o cabeleireiro francês Ludovic Le Heutre. Há 11 anos, ele desembarcou no Rio de Janeiro para visitar a irmã e acabou construindo família por aqui. Hoje é pai de um menino franco brasileiro de 7 anos.

Sua formação profissional foi feita em Orleans, cidade francesa do Vale do Loire. Segundo ele, foram seis anos de estudo formal: cours d’apprentissage professionnel, brevet professionnel e brevet de maîtrise. Tem ainda em seu currículo cursos com dois mestres europeus na área: o inglês Vidal Sassoon e o francês Jean Louis Déforges. O atelier de Ludovic fica em um sobrado no bairro de Botafogo, na Zona Sul do Rio, decorado com peças artesanais que produz a partir de objetos antigos garimpados em feiras no Brasil e no exterior.

O principal conselho que recebi deste francês pouco usual foi o de que devemos aproveitar as belezas de cada fase da vida, em vez de tentar inutilmente deter o tempo. E, claro, as dicas de como tratar bem os cabelos, que transcrevo na entrevista a seguir.

Há 11 anos no Brasil, o cabeleireiro francês Ludovic Le Heutre defende que o corte mais adequado, em qualquer idade, leve em conta o ritmo de vida da mulher./ Foto: Ana Lúcia Araújo.

Há 11 anos no Brasil, o cabeleireiro francês Ludovic Le Heutre defende que o corte mais adequado, em qualquer idade, leve em conta o ritmo de vida da mulher./ Foto: Ana Lúcia Araújo.

Com o avanço da idade, os cabelos envelhecem?

O fio tem um ciclo de vida de cinco a sete anos, contados do nascimento à morte. A formação do fio novo e a expulsão do outro sem vida do nosso couro cabeludo é um processo que dura cerca de dois meses.

As mudanças têm início bem antes da menopausa. Para começar, o cabelo sofre a interferência do clima. Na Europa, por exemplo, a escova feita em salão dura a semana toda, enquanto no Brasil dura apenas um dia. Quanto mais seco é o clima, mais tempo dura a escova. A partir da menopausa, as alterações se acentuam, mas não há um padrão de mudança. Em algumas mulheres, ficam mais finos, em outras, mais grossos, mais lisos ou mais cacheados.

Nem com uso vitaminas e tratamentos?

Podemos melhorar o fio, mas não voltar no tempo, como se pretende na sociedade de consumo. Tenho visto mulheres de 70 anos com cabelos louros e compridos para parecerem com a sobrinha de 20 anos.

Há uma discussão sobre se a mulher madura deve ou não usar cabelos compridos…

Aos 20 anos, nosso rosto é simétrico, sem marcas de expressão, e os cabelos compridos ficam muito bem em praticamente todas as mulheres nesta faixa etária. Mas, à medida em que as marcas de expressão aparecem, o cabelo comprido acentua as linhas descentes e puxa as feições para baixo. Nesse momento, eu recomendo subir o comprimento dos cabelos, para equilibrar o conjunto e dar uma aparência mais jovem ao rosto.

Mas, Catherine Deneuve, ícone da beleza francesa, tem mais de 70 anos e usa os cabelos louros e compridos

Na minha opinião, é um cabelo horroroso.

O que a mulher que vive num clima úmido, como o da Amazônia ou do Rio de Janeiro, deve privilegiar e o que devem evitar no trato dos cabelos?

Precisa hidratá-los muito, por causa do sol, do vento e das outras fontes de atrito, como a água do mar e a piscina. O pior inimigo do cabelo é o cloro. O principal cuidado é a hidratação.

A hidratação pode ser química ou precisa ser natural?

Nunca vi química fazer bem ao cabelo.

Mas todos os produtos comprados em farmácias e nos mercados não são químicos?

Não. Há bons produtos à base de extratos vegetais à venda. Tratar não é modificar o cabelo. O que se vende como tratamento de queratina, na maior parte das vezes, é alisamento. Fazer chapinha é o mesmo que colocar o cabelo entre dois ferros de passar roupa, ou seja, os fios são submetidos a um aquecimento indevido.

O cabelo tem um potencial de elasticidade e aguenta certo nível de calor. O que não aconselhável é o calor direto sobre o fio. O secador deve ser mantido perto da escova, mas não colado ao cabelo.

O cabelo da mulher madura nunca é igual ao da jovem. O problema, é que algumas mulheres querem a qualquer custo aparentar o cabelo que tinham aos 20 anos. E isto é impossível.

O que você acha da técnica de escovação dos cabeleireiros no Brasil?

Os cabeleireiros no Brasil, em sua maioria, puxam excessivamente os cabelos das clientes, e chegam perto do limite de ruptura dos fios. É preciso ser suave e respeitar a elasticidade dos fios. Quando faço escova, eu modifico mecanicamente os cabelos, sem puxá-los.

Christine Lagarde, diretora do Fundo Monetário Internacional

Christine Lagarde, diretora do Fundo Monetário Internacional

 Vamos falar de cabelos brancos. Em geral, nós, brasileiras, associamos os cabelos grisalhos à velhice e começamos a pintá-los assim que surgem os primeiros fios brancos. São poucas as que assumem o “telhado branco”.

Mas é uma minoria que vem crescendo. A menopausa pode favorecer a textura do cabelo de algumas mulheres. O fio branco, em geral, é mais forte. O fio sem pigmento, em algumas mulheres, pode ficar mais fino do que o pigmentado. Em outras, pode ser mais grosso. Mais uma vez, não há um padrão. As clientes costumam achar que o cabelo branco é mais rebelde do que o pigmentado. Não se trata disso. Ele apenas não tem o mesmo comportamento. Imaginemos uma mulher com 80% dos fios brancos e encaracolados e o restante, escuro e liso. Qual é a porção rebelde: a branca ou a escura?

O cabelo branco envelhece o visual?

Não necessariamente. Com um corte moderno, ele pode até rejuvenescer. Se a porção branca for bem distribuída na cabeça, ou seja, se os fios estiverem uniformemente mesclados aos brancos, o efeito é muito bonito. Mas, se não for uniforme, e estiver concentrado apenas em partes da cabeça, eu aconselho à cliente que pinte.

Qual o melhor corte para o cabelo grisalho ou branco?

É o curto. Como os cabelos brancos tendem a amarelar, eu desaconselho mantê-los longos. Os fios brancos exigem cuidados para não amarelar e ficar com aparência descuidada e maltratada.

Ludovic: deixar o cabelo branco é questão de atitude.

Ludovic: deixar o cabelo branco é questão de atitude.

Você diz que cada vez mais mulheres assumem os cabelos brancos no Brasil. Qual o perfil desta mulher?

As mais intelectualizadas e as que aceitam bem as fases da vida e a passagem do tempo. Deixar o cabelo branco não é questão de economia, mas de atitude. Percebo que muitas mulheres usam os maridos como desculpa para não assumirem os cabelos brancos ou para manterem os cabelos compridos. Para mim, isso é um argumento para esconder um desejo dela mesma. O marido apaixonado gosta da mulher do jeito que ela é.

Existe corte mais apropriado para a mulher com mais de 50 anos?

O corte mais adequado, em qualquer idade, deve levar em conta o ritmo de vida da mulher. As que trabalham fora, frequentam a praia, fazem ginástica deveriam priorizar o cabelo mais curto, por ser mais prático. Eu desaconselho o cabelo comprido para as mais maduras. Acho burrice associar o cabelo comprido à sensualidade. Vá à Europa e veja quantas mulheres usam cabelos curtos e são sensuais.

O que o surpreendeu no Brasil com relação aos cabelos?

O hábito muito comum entre as mulheres de cortarem os cabelos no salão e saírem de cabeça molhada, sem fazer escova. Isso é impensável na França. Se a cliente sai com os cabelos molhados significa que eu não finalizei meu trabalho.

Eu sou mestra em fazer isso, porque nado quase todos os dias e evito ao máximo usar o secador.

Mas é uma desvalorização do trabalho do cabeleireiro. Comparo meu trabalho ao de um arquiteto. O corte é a estrutura da obra e a escova é o acabamento.

A brasileira se preocupa mais com o visual ou com a saúde do cabelo?

Com o visual, sem dúvida. Acho que a falta de cuidados está associada ao desconhecimento. As brasileiras, de modo geral, acreditam muito na propaganda.

Como escolher o shampoo adequado diante da diversidade de marcas e tipos de oferecidos nas gôndolas?

A precondição é conhecer a natureza do seu cabelo, se é seco, oleoso, misto, fino, frágil etc. O segredo é escolher o shampoo adequado ao tipo de seu cabelo, porque não adianta comprar um produto caro se ele não corresponder à sua necessidade. Se estiver insegura sobre seu tipo de cabelo, em vez de consultar o cabeleireiro, consulte um dermatologista. Os cabeleireiros brasileiros, em geral, têm uma formação muito precária e aprendem a profissão na prática. Ou seja, os clientes são cobaias.

Quem faz uso de alisantes, deve usar produto rico em proteína vegetal para a reconstrução dos fios. As que tingem os cabelos precisam usar shampoo para cabelos tingidos por, pelo menos, uma semana, após cada tintura. A água oxigenada, usada no processo de coloração, abre as cutículas dos fios para a pintura penetrar. O shampoo para cabelos tingidos fecha as cutículas e preservam a coloração por mais tempo.

Shampoos para bebês são boa alternativa para quem lava o cabelo diariamente?

Não. O cabelo dos adultos é totalmente diferente do de bebês. O shampoo infantil não é um detergente adequado ao couro cabeludo adulto. Quem lava a cabeça todos os dias deve comprar shampoo para uso diário, disponível em várias faixas de preço.

Os shampoos conceituados custam muito caro.

Se seu dinheiro não der para comprar um bom shampoo e um bom condicionador, priorize o shampoo. É melhor comprar um shampoo de melhor qualidade e não usar condicionador.

O que devemos estar atentos quando formos ao cabeleireiro?

Deve-se dizer e repetir claramente o que se quer, porque é difícil entender de primeira o desejo da cliente. Se quer o cabelo curto, diga quantos centímetros pretende encurtar. Seja específico em dizer o que quer, porque a noção de curto varia de uma pessoa para outra. As vezes as clientes esperam que o cabeleireiro descubra o que ela quer. Mas, o cabeleireiro não pode descobrir o que a cliente busca, em poucos minutos.

O homem é mais pragmático e costuma dizer claramente seu objetivo. Não aconselho um corte abrupto de tamanho. Cada mudança na vida requer um tempo de adaptação. Recomendo a redução gradual. Quando mais radical o corte, maior é o tempo necessário para se acostumar a ele. Em vez de pensar no visual, pense no seu bem-estar.

Que cuidados devemos ter com o cabelo além do shampoo correto?

Quando lavar a cabeça, não friccione os fios com a toalha. O atrito danifica os cabelos. Coloque a toalha em volta da cabeça, pressione a toalha e ela vai funcionar como uma esponja. Desembarace os cabelos começando pelas pontas, sem fazer movimentos bruscos.

Me lembro de uma recomendação antiga para escovar os cabelos 100 vezes antes de dormir. Isso é bom ou não?

Eu não aconselho. A escovação excessiva cria eletricidade estática que deixará os cabelos arrepiados. Antigamente, escovava-se muito os cabelos por causa do laquê.

Pente de madeira ou de plástico?

Prefiro os de plástico. A madeira pode ter farpas que machuquem a cabeça.

O que você acha dos aparelhos para fazer babyliss em casa?

Acho perigoso fazer este procedimento em casa. Há risco de fritar os fios.

O que mais danifica os cabelos?

Produtos químicos e piscina.

Muitas mulheres acreditam que os cabelos se acostumam com um shampoo após alguns meses de uso e ele deixaria de fazer efeito. A saída seria variar de marca. Isso procede?

Para mim, não faz o menor sentido. Me parece mais ser uma justificativa da própria consumidora que quer ter uma grande variedade de shampoos no banheiro ou o resultado de alguma estratégia de marketing das empresas para aumentar as vendas.

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Elvira Lobato

Elvira Lobato

Mineira, de uma família de 17 irmãos, foi criada na zona rural de Pitangui, na região do Cerrado. Aos 19 anos, mudou-se para o Rio de Janeiro, onde participou da resistência à ditadura e construiu sua carreira de repórter. Formada pela UFRJ, atuou na imprensa escrita por 39 anos, 27 deles na “Folha de S. Paulo”, onde fez parte do núcleo de repórteres especiais de 1992 a 2011, quando se aposentou do jornalismo diário para se dedicar a projetos pessoais. É autora do livro “Instinto de Repórter”, sobre seus métodos de investigação jornalística. Está no ranking de jornalistas mais premiados do Brasil. Recebeu, entre outros, o Prêmio Esso de Jornalismo, em 2008, pela reportagem sobre o patrimônio dos dirigentes da Igreja Universal do Reino de Deus. Em janeiro de 2016, publicou a reportagem “TVs da Amazônia Legal-Realidade que o Brasil Desconhece”. Aos 62 anos, casada, tem três filhos e dois netos. Alimenta sua alma de repórter com incursões pelo interior para fotografar e coletar histórias da gente brasileira. Faz bordados lindos e um pão de queijo….

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