Masoquismo aos 50+?

É possível começar a correr para valer depois dos 50 anos de idade. Com check-up médico e sem pressa, você chega lá. A jornalista Deborah Berlinck começou a correr nessa virada de geração e hoje é uma maratonista. 

A jornalista e maratonista Deborah ultrapassa um grupo de homens mais jovens na maratona de Lausanne, na Suíça, em outubro de 2015 / Foto de Christian Petit

A jornalista e maratonista Deborah ultrapassa um grupo de homens mais jovens na maratona de Lausanne, na Suíça, em outubro de 2015 / Foto de Christian Petit

GENEBRA -  Passei a vida correndo — literalmente, desde os 20 anos de idade — e dizendo que maratona era coisa para masoquista. São 42.195 Km. Nem pensar.

Na virada dos 50 anos de idade, blim! Algo mudou. Resolvi fazer o que, na cabeça de alguns, deveria ser o caminho inverso: no lugar de tirar o pé do acelerador, comecei a me colocar à prova em tudo. Montanha, snowboard, tênis, ciclismo, reportagens em zonas de conflito (sou jornalista) e viagens. Como se o relógio biológico estivesse me dizendo “é agora, ou nunca”.

Freud explica.

Nova York: o desafio do corpo e da mente

A primeira maratona, em Nova York, 2013, aconteceu depois do estalo dos 50 anos. Naquele ano, 20% dos participantes que completaram essa corrida mítica — sem dúvida, a mais popular do mundo  —  tinham mais de 50 anos de idade. Em 2013, a maratona de Nova York bateu recorde: 50.740 corredores, dos quais 50.266 completaram a prova.

Abri o computador, me inscrevi no sorteio internacional por uma vaga. Tem tanta gente querendo correr a maratona de Nova York que os organizadores estabelecem um limite. Paguei US$ 11 para entrar no sorteio, quase um ano antes da corrida. E esqueci. Esqueci mesmo. Depois de meses sem receber comunicado dos organizadores, imaginei não ter sido sorteada.

Até uma tarde de julho, quando estava entrevistando o francês Pascal Lamy, então diretor-geral da Organização Mundial de Comércio (OMC). Lamy, à época com 65 anos, é maratonista de carteirinha, com mais de 15 corridas desse porte no currículo. Depois da entrevista, ele me disse: “vou correr Nova York este ano”. Voltei para casa intrigada. Havia pago US$ 11 pela inscrição, e um tempo depois notei um desconto de mais de US$ 300 no meu cartão de crédito. Roubo?

A sorte escondida na caixa de spam

Verifiquei minha caixa de spam e a boa notícia estava lá, escondida há quase dois meses: “Congratulações Sra. Berlinck”. Euforia total. Havia esquecido que, quando você é sorteada, o preço integral da prova é descontado automaticamente no cartão de crédito. Um valor salgado (US$ 347 para não residentes nos EUA) , mas vale. Só restavam três meses para treinar.

Coloquei o tênis e me lancei sozinha a mil por hora, seguindo um programa de treinamento que comprei pela internet. Nunca havia corrido mais do que meia maratona (21.9875 Km).

Meus 50+ anos bateram na porta, ou melhor, no pé. Me sentindo ótima, resolvi correr mais rápido do que o programa de treino recomendava. Resultado: tendinite na planta do pé, por excesso. Nada a fazer, a não ser parar de correr, acupuntura, massagem, anti-inflamatório e rezar para todos os santos (coisa que não faço). Perdi mais de duas semanas de treino.

Um massagista especializado em esporte me convenceu que a cura estava na cabeça. Embarquei para Nova York com a imagem de que não correria – levitaria nas nuvens.

Não foi bem assim. Levitei mesmo quando enchi a banheira do hotel de sal e fiquei de molho na água quente  —  depois da corrida. Mas imaginar nuvens enquanto castigava o pé no asfalto deu certo. Em todas as fotos estou sorrindo. Nada me deu mais prazer do que ver um bando de homens mais jovens correndo atrás de mim. Completei minha primeira maratona em 4h35’32’’. Não parei nem para ir ao banheiro: para não enfrentar as filas e perder o ritmo, fiz xixi nas calças — como muitos corredores.

Entendi porque mais de 50 mil pessoas brigam para participar da experiência masoquista (alguns vomitam, outros saem carregados em maca): maratona requer treino físico e um esforço sobre-humano da mente, atenuado pela endorfina que o organismo libera e que, num determinado ponto, dá sensação de euforia. Traçar um objetivo e conseguir. Completar uma maratona faz um bem indescritível para a mente.

Mais rápida, por enquanto

Deborah correndo a sua primeira maratona em Nova York, 2013

Deborah correndo a sua primeira maratona em Nova York, 2013

Depois de Nova York, fui “picada” pelo mosquito maratonista. Corri a maratona de Lausanne, na Suíça, 15 minutos mais rápido, conseguindo, sem querer, uma proeza: fazer todo o percurso com a mesma média de tempo, à diferença de um segundo na segunda parte.

Treino agora para a maratona de Genebra, também na Suíça, no dia 8 de maio, onde espero correr ainda mais rápido. Decidi que, enquanto puder, vou correr muitas maratonas: Berlim, Londres, Veneza, Mont-Blanc e, quem sabe, Rio de Janeiro (mais difícil para mim, por conta do calor).

A idade, sem dúvida, vai me pegar. Não me importo com isso. Minha única ambição é me divertir, envelhecendo com saúde.

“Maratona requer treino físico e um esforço sobre-humano da mente, atenuado pela endorfina que o organismo libera e que, num determinado ponto, dá sensação de euforia. Traçar um objetivo e conseguir. Completar uma maratona faz um bem indescritível para a mente”.

O que acontece com seu corpo

A partir dos 30 anos, segundo o “Running for Fitness”, o desempenho na corrida, naturalmente, cai. A estimativa é de que você perde 1% de velocidade por ano. Com a idade, tudo se reduz: capacidade aeróbica, massa muscular, elasticidade do músculo e dos pulmões, densidade dos ossos. A gordura do corpo aumenta e o sistema imunológico fica mais frágil.

No entanto, corredores mais velhos “podem continuar a realizar feitos atléticos extraordinários”, diz o “Running”. O site cita exemplos: “O atleta canadense Ed Whitlock correu uma maratona em 2h54’48’’ com 73 anos de idade. Carlos Lopes bateu o recorde mundial da maratona, com 38 anos. Hal Higdon, corredor de maratona e escritor, com 52 anos de idade correu 10 Km em 31h08 e uma maratona em 2h29’27”.

Recordista aos 92 anos

Harriette Thompson na maratona de San Diego em junho de 2015.

Harriette Thompson na maratona de San Diego em junho de 2015.

Mas o grande recorde foi mesmo batido por uma mulher, no ano passado. Aos 92 anos, a americana Harriette Thompson correu a maratona “San Diego Rock ’n’ Roll” em 7h24’36’’, tornando-se a mulher mais velha a correr e a completar uma maratona. Ela começou a correr aos 76 anos.

Uma pesquisa feita pelo “Running USA” e citada pelo jornal americano “Wall Street Journal”, mostrou que corredores de mais de 50 anos representam o grupo que mais cresce nos eventos de corrida nos Estados Unidos. O número de cinquentenários que completaram maratonas no país quase triplicou em 20 anos, atingindo 92.200 em 2011.

Corredores acima dos 50, claro, têm mais propensão a lesões. Mas os benefícios são indiscutivelmente maiores: menor risco de problemas cardíacos, de diabete, de pressão alta, de câncer, de sobrepeso, de depressão e de ansiedade. Além disso, a corrida melhora a força muscular e a densidade dos ossos.

Você consegue!

É possível começar a correr do zero depois dos 50 anos de idade, assegura a literatura especializada. Primeiro passo, fundamental: check-up médico. Segundo passo: devagar. Aos 50, você precisa de mais tempo para se recuperar. Então, não saia correndo todos os dias como uma menina de 20 anos.

Às amigas que nunca fizeram esporte e imaginam poder sair correndo, aconselho: devagar, sobretudo para quem estiver acima do peso. Você não quer estourar o joelho, os tendões, nem se esbaforir para, no dia seguinte, só recordar sofrimento. Divirta-se. Corra ao ar livre. Eu, pessoalmente, odeio esteira. Corrida, para mim, é natureza. Curta o visual. Cansou? Caminhe. Alterne com bicicleta, uma nadada na piscina. Um dia, seu corpo vai naturalmente pedir para você correr mais.

Calcule, aqui, o seu potencial aos 50, 60, 70.

O número de corredoras mais velhas aumentou depois que estabeleceu-se categorias por idade. Você se compara com corredoras da sua idade. A Associação Mundial de Atletas Veteranos criou uma tabela, que mede os recordes de desempenho, de acordo com sexo, idade e distância. Por exemplo, maratonistas de 55 anos conseguem terminar a prova em 2h28’51’’, pelo método mais recente. Insira sua idade e o tipo de corrida (meia maratona, maratona, 10km, 5 km) neste site e conheça seu potencial máximo: http://www.runnersworld.com/pace-calculators/age-grade-calculator.

Boa corrida!

Deborah Berlinck, especial para Mulheres50mais

Deborah Berlinck, especial para Mulheres50mais

Deborah Berlinck é jornalista e já atuou em mais de 30 países, inclusive em zonas de conflito, como Bósnia e Líbia. Foi correspondente internacional do Globo na Europa por mais de duas décadas e colaboradora da Folha de S.Paulo. Carioca, mora em Genebra, mas voltou à sua cidade natal para assumir um cargo de gerência nos Jogos Rio2016. Integra a Enablers Network, uma rede global de profissionais que ajuda executivos de grandes empresas a se adaptarem à revolução tecnológica no mundo dos negócios. Graduada em Jornalismo, tem mestrado em Relações Internacionais em Genebra e está concluindo uma especialização em marketing digital.

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