Mais autonomia, novas escolhas

A partir dos 50 anos, muitas mulheres se perguntam por que não se interessam mais por sexo como antes. O que muda? Como recuperar a libido? Para responder a essas questões, o Mulheres50mais ouviu a psiquiatra Carmita Abdo, que tem mais de 30 anos de experiência sobre o tema e coordenou o Mosaico 2.0, um mapa sobre o comportamento afetivo-sexual de brasileiros e brasileiras. Professora da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), Carmita é coordenadora do Programa de Estudos em Sexualidade (ProSex) do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas, da USP.

O que muda na vida sexual após os 50 anos?

O que se observa é que, com o advento da menopausa, em torno de 52 anos em média, pode haver queda no interesse sexual, relacionada à ausência de produção de estrogênio e, consequentemente, diminuição da lubrificação vaginal. Esse interesse vai reduzindo ao longo do climatério (pelo declínio crescente dos índices hormonais) e, se a mulher não faz terapia hormonal, nem sequer uso local de um creme com hormônio, a mucosa vaginal se resseca e o ato sexual se torna doloroso pela falta de lubrificação.

Como é essa diferença entre o climatério e a menopausa?

A menopausa caracteriza o momento em que a mulher completa 12 meses ininterruptos sem menstruar. O climatério é a transição do período reprodutivo para o não reprodutivo. É uma fase em que a menstruação se apresenta de forma irregular, falhando em alguns meses. Além disso, esse é um período em que ocorre também queda na produção de testosterona, que é o hormônio relacionado ao interesse sexual. A mulher pode ter menos motivação sexual a partir de então.

A queda na produção hormonal faz a mulher evitar o sexo?

Quando ocorre dor, desconforto, atrito intravaginal excessivo com a penetração (por falta de lubrificação) e a motivação já está comprometida, a mulher pode começar a evitar a atividade sexual. Qualquer inconveniente que ela tenha se torna um pretexto. Ela alega justificativas que antes não seriam suficientes para não desejar fazer sexo. Este comportamento está refletindo menor disposição sexual, devido a vários fatores, dentre os quais a queda hormonal.

“Em 2008, o percentual de mulheres que dizia fazer ou provavelmente faria sexo casual era de 43%. Hoje, está em 57%.  Houve uma mudança nesse período, colocando a atração física como principal motivação para o sexo, para uma proporção maior de mulheres.”

Quando isso acontece no dia a dia dessas mulheres?

Isso coincide com o momento em que a mulher acaba de criar os filhos e/ou perde o(a) parceiro(a). Ou mesmo quando, apesar de casada, não está mais disposta, por diferentes razões, inclusive por doenças. Outra realidade frequente é um parceiro com diabetes, hipertensão, doenças da próstata, entre outras condições que levam à dificuldade de ereção. Enfim, um parceiro disfuncional que também pode desmotivar a mulher.

A perda de hormônio no homem também compromete o interesse dele pelo sexo?

Ele perde hormônio com a idade, mas em pequena proporção. A diminuição de testosterona no homem é de 1% ao ano a partir da quarta década de vida.  A mulher, ao contrário, deixa de produzir estrógeno, como já foi explicado. Então, quando o homem se mantém saudável, a concentração hormonal dele é suficiente para manter seu interesse sexual, mesmo na maturidade.

Como a mulher pode manter sua libido em alta?

Hoje, a mulher tem alternativas. Ela busca cremes, procedimentos de beleza, cirurgia plástica, ginástica… Ela tenta, ao máximo, manter a forma física de modo a se sentir bem e despertar o seu interesse sexual e o de sua parceria. Tudo isso ajuda. Por outro lado, é cada vez mais comum ela se utilizar de cremes vaginais, contendo hormônios ou não, para ter mais conforto durante o ato sexual. Sabe-se que a mulher que permanece sexualmente ativa conserva a mucosa vaginal mais saudável, naturalmente.

É cada vez mais comum as mulheres se separarem a essa altura da vida. Um parceiro novo pode trazer um diferencial à vida sexual dessa mulher?

Com a separação, se ela encontra um parceiro novo, revive o desafio da conquista e a vontade de fazer sexo pode acompanhar. Em contrapartida, há situações que concorrem para prejudicar o sexo, independentemente dos níveis hormonais. Por exemplo, relação desgastada, doenças, o fato de a mulher não se sentir mais atraente, o fato de perder um parceiro querido…

“A mulher hoje tem maior poderio econômico, maior autonomia, o que lhe permite fazer escolhas. Como ela ‘se banca’, caso não esteja a fim de viver com essa ou aquela pessoa, pode, no entanto, se interessar em fazer sexo com ela.”

É comum a mulher canalizar sua libido para outras atividades que não o sexo?

Pode ocorrer. Uma mulher que tem uma carreira, a qual toma muito do seu tempo, pode não valorizar o sexo. Ela pode também dirigir sua libido para os cuidados com a casa e a criação dos filhos, para um projeto de vida que considere importante… Essas atividades podem  ser substitutivas ao sexo, nesses casos.

A senhora acaba de coordenar um novo estudo sobre a sexualidade do brasileiro, o Mosaico 2.0. O que mudou desde o último levantamento?

Uma das mudanças de comportamento no caso das mulheres foi o de assumir mais frequentemente o sexo casual. No Mosaico 1.0, em 2008, o percentual de mulheres que dizia fazer ou provavelmente faria sexo casual era de 43%. Hoje, está em 57%.  Houve uma mudança nesse período, colocando a atração física como principal motivação para o sexo, para uma proporção maior de mulheres. Alguém pode supor que, nesse caso, a mulher está repetindo um comportamento masculino e eu digo que não exatamente. Esse comportamento é consequência de mudança no estilo de vida: hoje ela tem mais oportunidade de acesso a potenciais parcerias e, não raro, adia o projeto de união estável para depois da realização profissional.

Outros fatores influenciam?

Sim. A mulher hoje tem maior poderio econômico, maior autonomia, o que lhe permite fazer escolhas. Como ela “se banca”, caso não esteja a fim de viver com essa ou aquela pessoa, pode, no entanto, se interessar em fazer sexo com ela. É menos cobrada por essas escolhas. Agora, se ela depende economicamente de alguém, já pensa nas consequências, o que pode inibir determinadas atitudes.

“O uso do preservativo está muito aquém do desejável nessa faixa etária. Essa realidade é muito preocupante para as mulheres mais maduras.”

Esse sexo casual aumenta depois dos 50?

A pesquisa não reflete essa resposta, mas é fato que uma mulher mais amadurecida, pode abrir mão de um parceiro estável, pois já teve filhos, ou não os teve, não quer ter. Então, constituir família não é mais uma preocupação e não limita essa forma de relação.

E a busca por parceiros mais jovens?

Em alguns casos, elas pensam que, se é só por sexo, então vão preferir um parceiro mais ágil, mais atraente…

Como está o uso da camisinha?

O uso do preservativo está muito aquém do desejável nessa faixa etária, especialmente. Essa realidade é muito preocupante para as mulheres mais maduras. Com os recursos medicamentosos de hoje, muitos homens diversificam seus relacionamentos e a mulher que não se protege pode sofrer as consequências. Ou seja, as chances de adquirir doenças sexualmente transmissíveis são maiores, em função dessa realidade.

A pílula rosa demorou a ser desenvolvida e ainda hoje não é uma esperança de devolver a libido às mulheres. Por quê?

A pílula rosa tem a seu favor o fato de ter sido o primeiro medicamento especificamente dirigido para tratar a libido feminina, mas a flibanserina (nome do princípio ativo do medicamento) demanda uma série de cuidados especiais. Uma diferença importante é que as pílulas para os homens agem diretamente no genital, não atuando sobre o sistema nervoso central. Têm muito mais a função de congestão sanguínea que leva à ereção. No caso da mulher, o medicamento age no cérebro, o que vai aumentar a disposição sexual. A pílula rosa chegou, então, trazendo esse recado: a melhora do desempenho sexual da mulher passa pelo cérebro.

“Mulheres que querem  constituir família podem preferir um vínculo hetero e viver uma atividade bissexual, caso sua atração seja homossexual. Essa situação  já acontecia no passado, mas ficou mais assumida nos dias de hoje.”

Ela poderia ajudar na queda da libido, mas justamente não pode ser usada por mulheres na menopausa. Por quê?

A flibanserina foi autorizada para as pré-menopausadas e tem que ser administrada por um médico que responda por todos os efeitos colaterais que podem vir a atingir a mulher. O medicamento não pode, por exemplo, ser utilizado por mulheres que fazem uso de bebidas alcoólicas, porque o álcool exacerba os efeitos colaterais, podendo causar perda de consciência. Qualquer mal-estar tem que ser comunicado ao médico, que assina um compromisso de responsabilidade pela paciente. Então, a questão é avaliar a relação custo-benefício, caso a caso, na pré-menopausa, quando ainda não há déficit hormonal, o que seria mais uma variável a considerar. É um medicamento controlado, ainda não liberado pela Anvisa (órgão regulador brasileiro).

É comum a mulher mudar sua orientação sexual após os 50 anos?

Diferentemente do homem, a mulher tem mais facilidade de se manter num relacionamento hetero, mesmo que tenha orientação homossexual. Afinal, ela não precisa ter ereção, mas precisa permitir a penetração. Mulheres que querem  constituir família podem preferir um vínculo hetero e viver uma atividade bissexual, caso sua atração seja homossexual. Depois que se tornam mais maduras, elas se permitem, de fato, uma vinculação afetiva e sexual com outras mulheres, porque já resolveram seu projeto de família e maternidade. Essa situação  já acontecia no passado, mas ficou mais assumida nos dias de hoje. Outro fator importante para tal visibilidade foi a conquista da independência econômica feminina, a qual provocou mudanças significativas no comportamento das pessoas. Hoje, duas mulheres constituem um casal e mantêm a casa. Podem formar uma família, por reprodução assistida, por exemplo.

Há uma diferença entre as suas pacientes no consultório e as que são atendidas pelo sistema público? Quais são as maiores demandas dessas mulheres hoje?

No consultório, atendo mulheres de todas as idades. No hospital público, as mulheres mais velhas, a partir de 45/50 anos, são mais frequentes. Elas parecem mais interessadas no assunto (sexualidade) do que as mais jovens. Parece que se sentem mais livres ou mais conscientes e, se não estão conseguindo resolver o problema, buscam ajuda.

Do que elas mais se queixam?

Nas mais jovens, predominam as queixas de falta de orgasmo. A ausência de desejo prevalece entre as mais velhas. Mas vale a pena destacar que hoje, cada vez mais, mulheres se reconhecem em depressão e buscam tratamento. A depressão é uma das maiores causas da falta de desejo sexual, principalmente em mulheres entre 30 e 35 anos. Nessa fase da vida, muitas vivem com um dilema: não sabem se investem na carreira, se optam por ter filhos ou adiam o projeto de maternidade. Esse conflito pode tirar delas o prazer pelo sexo.

No caso das mulheres com 50 ou mais, há uma motivação especial?

Nessa idade, as mudanças incomodam. Por exemplo, ela gostava de sexo e já não está mais tão interessada…  O parceiro começa a cobrar, mas o que a leva ao tratamento é a demanda pessoal. Ela quer entender essas mudanças e recuperar o prazer sexual.

Cristina Alves

Cristina Alves

Tem um gostinho especial por trabalhar em equipe. Carioca, criada no Méier, subúrbio do Rio, tem experiência de mais de 25 anos de jornalismo diário. Participou da cobertura e/ou edição de todos os planos de estabilização do Brasil pós-redemocratização. Sua relação com o jornalismo econômico começou quando era “foca” no “Jornal do Commercio” e ainda cursava a Escola de Comunicação da UFRJ, onde se graduou. Fez especialização em Políticas Públicas na UFRJ e tem MBA de Petróleo e Gás pela Coppe-UFRJ. Trabalhou ainda no “Jornal do Brasil” e em “O Globo”, onde foi editora de Economia entre 2007 e 2014, depois de atuar como repórter e subeditora. Cobriu por diversas vezes o Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça. Desenvolveu diversos produtos editoriais para plataformas impressa e digital. Hoje, é sócia da empresa Nau Comunicação. Casada, é mãe de João e Antônio. Adora mergulhar num bom livro.

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