Lágrima mais que especial

Especialista alerta: olhos precisam de cuidados específicos após os 50 anos para evitar ressecamento e até desequilíbrio corporal. Menopausa é um dos fatores, devido à alteração hormonal.

A primeira coisa que nos vem à mente quando pensamos em lágrimas é que elas revelam nossas emoções e, por isso, são tão associadas ao universo feminino. Mas pouco sabemos sobre a importância da lágrima para a saúde dos olhos e para o equilíbrio do corpo como um todo. Só me interessei pelo assunto alguns anos depois da menopausa, quando comecei a ter um pouco de dificuldade para abrir os olhos ao acordar. Como raramente penso em doença e resisto a me dobrar aos sintomas do envelhecimento, fui convivendo com aquele incômodo, que durava poucos segundos.

Tempos depois vieram a coceira e a sensação de areia nos olhos, que ficavam vermelhos com frequência. Deduzi que estava com alergia, e procurei um alergista. Os antialérgicos não fizeram efeito e, por indicação, cheguei a um especialista em lágrimas: o doutor Abelardo de Souza Couto Júnior. Nem sabia que existia especialista em lágrima. “A que ponto chegou a especialização médica?”, pensei, com a típica desconfiança dos jornalistas. Mas, ele, literalmente, me abriu os olhos para a importância da lágrima.

Oftalmologista Abelardo de Souza Couto Júnior. / Fotos: Ana Lúcia Araújo.

Oftalmologista Abelardo de Souza Couto Júnior. / Fotos: Ana Lúcia Araújo.

Formado em medicina pela Universidade Federal do Triângulo Mineiro, em Uberaba, oftalmologista pelo Conselho Brasileiro de Oftalmologia e especialista em Plástica Ocular e Órbita pela USP, o doutor Abelardo pratica a medicina como sacerdócio. É cirurgião, mas muitas vezes desaconselha essas intervenções em situações que outros médicos não hesitam em fazê-las. Chefe do Departamento de Órbita do Instituto Benjamin Constant (centro de referência no atendimento a cegos e tratamento da baixa visão, do Ministério da Educação), ele é professor de graduação e pós-graduação em oftalmologia em locais como USP e PUC-Rio e na Sociedade Brasileira de Oftalmologia. E atende em seu consultório em Copacabana. Para esta entrevista, recebeu-me em sua minúscula sala no Instituto Benjamin Constant, no tradicional bairro da Urca, no Rio de Janeiro.

O ressecamento dos olhos está associado à menopausa?

O ressecamento dos olhos não é uma doença, mas uma síndrome. As doenças têm causa conhecida. As síndromes têm várias causas, até desconhecidas pela medicina. Certamente, a menopausa é um dos fatores, por causa da alteração hormonal. Uma evidência disto é que a síndrome é mais comum nas mulheres. Nos casos associados à mudança hormonal, vemos que ela se manifesta por volta dos 40 a 50 anos, o que coincide com a menopausa.

Mas não está provado que a alteração dos hormônios seja uma causa definitiva. Se fosse assim, bastaria fazer reposição hormonal. Mas, não é tão simples. A reposição exige critérios e só é recomendável para os casos mais críticos. Temos que lembrar que a diminuição hormonal é da natureza e que o envelhecimento é um processo natural.

Mas a reposição hormonal reverte a síndrome?

Pode amenizá-la, mas não cura. Uma vez desencadeado o processo e instalada, a síndrome não tem cura. Os diversos tratamentos são paliativos, e permitem ao paciente conviver com ela.

O ressecamento dos olhos é resultado da diminuição da quantidade ou da qualidade da lágrima que produzimos?

Existe a síndrome tanto por deficiência da quantidade como pela de qualidade. A lágrima tem composição aquosa, gordurosa (lipídica) e mucínica. Esta última mantém a lágrima grudada no globo ocular e impede que escorra imediatamente após ser produzida. As glândulas que produzem a parte gordurosa ficam situadas nas pálpebras, na raiz dos cílios. Com a inflamação dessa glândula e a deficiência de produção lipídica, a lágrima evapora mais rápido. Se há alteração na superfície ocular como um todo, pode ser afetada a produção do componente que faz a lágrima “grudar” no olho, e ela vai evaporar mais rápido, resultando também em ressecamento.

Isso estimula a produção lacrimal reflexa e pode causar lacrimejamento. E, por fim, pode haver alteração da glândula lacrimal principal, que produz a parte aquosa. Neste caso, a deficiência será na quantidade da produção. Resumindo, o paciente pode ter ressecamento e lacrimejamento dos olhos ao mesmo tempo, o que é um aparente paradoxo. O lacrimejamento, por excesso de produção lacrimal (resposta reflexa ao ressecamento), ou por problema de drenagem no canal por onde ela escorre.

Vamos a um assunto de grande interesse para as mulheres: a cirurgia plástica das pálpebras pode afetar a produção de lágrima?

Faço cirurgias plásticas de pálpebra, mas dependendo do grau de “secura” dos olhos, indico uma cirurgia moderada ou a contraindico em casos mais graves. Sei que a cirurgia melhora a estética, deixa a pele mais esticada, mas nem todos devem se submeter a ela, porque a plástica retira parte da pele que confere certa proteção ao olho. É normal que, após a cirurgia, o paciente fique com a pálpebra um pouquinho aberta durante o sono e, dependendo do estágio da Síndrome do Olho Seco, pode ter agravados os sintomas do ressecamento.

O senhor recomenda que o paciente faça um exame de lágrima antes de se submeter a uma plástica de pálpebra?

Sem dúvida. Das cirurgias plásticas faciais, a de pálpebra é a que dá mais queixas no pós-operatório. A pálpebra não é uma pele qualquer. Ela protege um órgão funcional. Cirurgiões plásticos cautelosos me pedem para avaliar a qualidade da lágrima de seus pacientes antes de agendar a cirurgia.

 “Há uma crença popular de que se usar muito a vista, ela gasta. Claro que não se trata disto, mas quem fica por muitas horas seguidas diante do computador, da TV, ou lendo, involuntariamente pisca menos e o piscar é fundamental para proteção da córnea, porque distribui a lágrima pela superfície ocular”.

Maquiagem, cílios postiços e pigmentação definitiva prejudicam?

Não vejo contraindicação. Usar cílios postiços ocasionalmente não prejudica os olhos. Apesar de ser um corpo estranho, não causa ressecamento.

Que outros fatores, além do hormonal, causam ressecamento dos olhos?

A síndrome está associada a hábitos de vida, ao ambiente de trabalho, ao uso de medicações, de computador e até à leitura. Com o prolongamento da vida, consumimos cada vez mais remédios. Nem todos os efeitos colaterais das novas medicações são devidamente conhecidos. Por isto, as medicações mais antigas e amplamente pesquisadas são mais seguras. A Síndrome do Olho Seco é comumente confundida com alergia, porque causa coceira e devido aos olhos vermelhos. Os alergistas receitam colírios ou antialérgicos por via oral que diminuem a coceira, mas, no médio e longo prazos, agravam o ressecamento dos olhos. Está provado que os antialérgicos, com o uso contínuo, diminuem a produção lacrimal.

Outros medicamentos que contribuem para o problema são alguns anti-hipertensivos e antidepressivos. Se usados por muito tempo, eles ressecam as mucosas e alteram a produção lacrimal. Isso inclui os remédios “para dormir”, que são cada vez mais prescritos pelos médicos; e, às vezes indicados pelos próprios pacientes aos amigos, em situações de estresse.

Ler muito provoca ressecamento?

Há uma crença popular de que se usar muito a vista, ela gasta. Claro que não se trata disto, mas quem fica por muitas horas seguidas diante do computador, da TV, ou lendo, involuntariamente pisca menos e o piscar é fundamental para proteção da córnea, porque distribui a lágrima pela superfície ocular.

Em que situação o ambiente de trabalho causa ressecamento dos olhos?

O ar condicionado, sobretudo o central, é prejudicial aos olhos. Quando fiz minha residência médica, no início dos anos 90, essa síndrome quase não existia. Coincidentemente, as famílias não tinham ar-condicionado em casa. Hoje em dia, há ar-condicionado no trabalho, nas casas, nos carros e no transporte público. Não há como evitá-los, mas podemos aliviar seus efeitos nos olhos.

Se não há cura para a síndrome, como tratá-la?

A primeira providência é buscar o diagnóstico correto, já que muitas vezes os sintomas são confundidos com os da alergia. É preciso evitar o uso contínuo de colírios “branqueadores”. Os pacientes recorrem a tais colírios por causa dos olhos vermelhos. Eles são à base de nafazolina, que é um vasoconstritor. Dão alívio, um frescor imediato, mas, no longo prazo, prejudicam as células que ajudam na lubrificação dos olhos. Eles podem ser usados pontualmente, mas não por longo tempo.

Outra providência importante é usar umidificadores de ambiente para minimizar os efeitos do ar-condicionado. Há muitas opções de aparelhos, de baixo preço, em farmácias e supermercados. Na ausência deles, pode-se usar uma bacia com água ou até uma toalha molhada para umedecer ambiente enquanto o ar-condicionado estiver ligado. Para os casos mais graves da síndrome, há medicações para estimular a produção de lágrima e diminuir o escoamento pelo canal lacrimal. Há vários níveis de tratamento, de acordo com a gravidade.

E há como prevenir o surgimento dessa síndrome?

Já que não há tratamento curativo específico, devemos cuidar do corpo, ter uma vida mais saudável, menos sedentária. Os exercícios físicos ajudam todo o corpo, inclusive os olhos, porque também ajudam no equilíbrio hormonal. Nossa alimentação deve ser a mais diversificada possível. Se não há doença sistêmica — como gota, hipertensão, diabetes, temos de usar o bom-senso e comer de tudo.

A receita é a moderação e uma psique saudável: fazer o que se gosta, evitar aborrecimentos e buscar ser mais feliz. Quem não suporta o trabalho que faz ou o ambiente em que vive, precisa buscar uma solução, ou acabará com doenças psicossomáticas e autoimunes que também afetam os olhos.

Elvira Lobato

Elvira Lobato

Mineira, de uma família de 17 irmãos, foi criada na zona rural de Pitangui, na região do Cerrado. Aos 19 anos, mudou-se para o Rio de Janeiro, onde participou da resistência à ditadura e construiu sua carreira de repórter. Formada pela UFRJ, atuou na imprensa escrita por 39 anos, 27 deles na “Folha de S. Paulo”, onde fez parte do núcleo de repórteres especiais de 1992 a 2011, quando se aposentou do jornalismo diário para se dedicar a projetos pessoais. É autora do livro “Instinto de Repórter”, sobre seus métodos de investigação jornalística. Está no ranking de jornalistas mais premiados do Brasil. Recebeu, entre outros, o Prêmio Esso de Jornalismo, em 2008, pela reportagem sobre o patrimônio dos dirigentes da Igreja Universal do Reino de Deus. Em janeiro de 2016, publicou a reportagem “TVs da Amazônia Legal-Realidade que o Brasil Desconhece”. Aos 62 anos, casada, tem três filhos e dois netos. Alimenta sua alma de repórter com incursões pelo interior para fotografar e coletar histórias da gente brasileira. Faz bordados lindos e um pão de queijo….

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