A hora da virada

A menopausa e as mudanças que vão muito além do corpo aos 50 anos estão transformando vidas, garante a ginecologista Fernanda Couto. Nessa entrevista ela explica porque essa fase é de grandes e intensas descobertas.

 Maranhense, Maria Fernanda Campos Couto tem alma de carioca. Ela chega com um sorriso no rosto e, meia hora depois, já está rindo e contando que, aos 56 anos, conseguiu realizar um sonho: comprar um jeep Renegade para viajar por aí. Ao falar de seu objeto de desejo _ fruto de uma economia de três anos, da venda do carro antigo e de muito trabalho extra _, a ginecologista e obstetra conta que rodou do Rio até o interior da Bahia, sentindo o vento e desbravando estradas de terra. E diz, categórica, que preferiu economizar, juntar cada real para ter o seu carro. “É maravilhoso. Nunca imaginei na minha vida ter um carro desse jeito, meu sonho de consumo”. E gargalha, passando os dedos nos cabelos anelados grisalhos porque ela não gosta de tintura. E também praticamente não usa maquiagem. Confessa que tem poucas vaidades e que cuida muito bem da saúde.

Para a ginecologista Fernanda Couto, cuidados especiais para prevenir doenças após a menopausa incluem atenção com alimentação, bons pensamentos e atividade física. /Foto: Ana Lúcia Araújo.

Para a ginecologista Fernanda Couto, cuidados especiais para prevenir doenças após a menopausa incluem atenção com alimentação, bons pensamentos e atividade física. /Foto: Ana Lúcia Araújo.

Radicada no Rio desde 1982, quando chegou para cursar o sexto ano da faculdade de Medicina na UFRJ e estagiar no Hospital Moncorvo Filho, no Centro, Fernanda fez carreira em unidades públicas, ocupou cargos de chefia do serviço de ginecologia e foi coordenadora de clínicas cirúrgicas, mas se aposentou. Fez mestrado em ginecologia na UFRJ, trabalhou em dois consultórios ao mesmo tempo, um na Barra e outro em Laranjeiras. Antes disso, conheceu de perto o drama de mulheres de baixa renda quando trabalhou no Hospital Geral de Bonsucesso. As mulheres chegavam, como ela diz, “pedindo socorro, buscando um espaço para falar e muitas vezes recebiam apenas mais remédios.”

Ao chegar aos 40, ela diz que passou por uma crise e resolveu fazer um curso de medicina chinesa, outro de fitoterapia e um de acupuntura. Disposta a mudar sua trajetória, foi acumulando experiência, fez um curso de alimentos vivos e passou a ter outra “visão da saúde”. Para Fernanda, o médico deve ter um olhar multidisciplinar. Por isso, ela foi buscar outros conhecimentos, um pouco distantes da medicina tradicional.

Casada, mãe de duas filhas, Fernanda diz que gosta de ouvir os pacientes em suas consultas, sem pressa. E quer aproveitar o tempo com outras atividades. Antes de terminar a entrevista, já estava planejando mais uma viagem e incluindo as novas amigas. Depois dos 50 é assim, as mulheres voltam a formar turmas, grupinhos para viagem.

Fernanda Couto: cursos de medicina chinesa, fitoterapia e acupuntura. Foto: Ana Lúcia Araújo

Fernanda Couto: cursos de medicina chinesa, fitoterapia e acupuntura. Foto: Ana Lúcia Araújo

“Há mulheres que não conseguem ver esse momento como uma oportunidade de mudança e começam a se sentir extremamente infelizes porque a juventude está indo embora.”

Abaixo, alguns tópicos da entrevista sobre transformações que ocorrem nessa fase para as mulheres:

INSTABILIDADE E INFORMAÇÃO – “Hoje as mulheres têm mais informações sobre o que acontece com elas. Na adolescência, há uma mudança grande com a chegada da menstruação, mas tem sempre alguém que te dá um suporte, te orienta. Na menopausa é diferente, não tem essa rede de proteção. Você entra em uma instabilidade, uma gangorra de hormônios, sente calores, insônia, vontade de chorar. Mas hoje sabemos mais do que no tempo de nossas mães.”

MUDANÇAS – “Nós temos várias fases em que ocorrem mudanças. Você sai de uma fase e entra na outra. Isso é genial. Você vive num mundo em que as janelas vão se abrindo. É como se estivesse exausta e, de repente, vem uma nova etapa, começa um novo estilo de vida. Muitas pessoas estão transformando suas vidas, partindo em busca da volta da naturalidade do mundo, começam a fazer meditação, entram em outra sintonia. E toda grande mudança parte para uma descoberta.”

Médica critica exageros cirúrgicos para tentar manter aparência jovem.. Foto: Ana Lúcia Araújo

Médica critica exageros cirúrgicos para tentar manter aparência jovem.. Foto: Ana Lúcia Araújo

MOMENTO DA VIRADA – “No climatério, o fenômeno principal é a menopausa, que ocorre entre os 45 e os 55 anos. Nessa época, a mulher começa a ter uma visão de mundo diferente. Parece que portas se abrem, como se ela estivesse antenada e conseguisse enxergar essas portas se abrindo. Se ela perceber o que está ao redor dela, vai dar uma grande virada, porque começa a perceber a vida com outros olhos. Ela acabou de construir toda uma vida, percebe que uma boa parte já foi vivida, mas que ainda tem um tempo de vida útil e, de repente, investe nisso. Precisa se organizar emocionalmente e se dá conta que pode estar fazendo o que não quer. Começa a querer fazer aquilo que sempre quis fazer. Se conseguir perceber que agora ela é forte, pode dar essa virada e fazer o que deseja, é um mundo novo que vai se abrir, algo espetacular. Algumas até mudam de profissão, se separam ou ficam mesmo com seus parceiros, mas passam a viver a vida de forma diferente.”

IDADE E INFELICIDADE – “Há mulheres que não conseguem ver esse momento como uma oportunidade de mudança e começam a se sentir extremamente infelizes porque a juventude está indo embora, escapando das mãos, e começam a querer utilizar recursos que as mantenham jovens, o físico jovem. Mas a gente sabe que não é a mesma coisa. E algumas fazem tantas intervenções que ficam estranhas e a juventude não volta mais. Se elas se prenderem a esse tipo de coisa, guardando mágoa, ou seja, mantendo a vista turva, sem enxergar tudo o que se abre, nunca vão sair do lugar. E aí as doenças começam a aparecer”.

DOENÇAS – “Nesse momento, nessa mudança hormonal, é quando as doenças se manifestam. Aí vêm hipertensão e o diabetes, por exemplo. Às vezes aparece câncer, principalmente nas mulheres que têm uma grande decepção e vivem como se o mundo não tivesse saída. Aí elas se agridem, começam a agredir o próprio corpo, há baixa de defesa do organismo que faz com que o câncer até se manifeste, em quem já tem predisposição genética”.

FOCO – “É uma fase em que o foco é direcionado para outras coisas prazerosas. Você olha o verde das plantas e acha mais verde. Já ouviu uma música, mas agora presta atenção na letra, de uma forma que nunca prestou antes. É um pôr do sol diferente, o nascer do dia. Você vê as cores diferentes. É porque você tem um somatório de uma vida inteira e agora se permite parar e ver. Sair junto com amigos, como se fosse aquela turma na adolescência. Você sai com quem tem mais afinidade, faz novos amigos.”

AMORES ANTIGOS – “Tem uma coisa interessante que percebo em algumas pessoas que me procuram. Nessa faixa de idade, as mulheres enxergam essas transformações e isso, claro, acontece com heterossexuais e homossexuais, não tem diferença. Há um resgate de um amor antigo. Um resgate de um carinho já conhecido.”

CUIDADOS ÍNTIMOS – “É uma fase em que estamos mais ressecadas, a pele, a parte genital. As mulheres podem e devem se cuidar. Há óleos maravilhosos para se colocar depois do banho, cremes. Como sou do Maranhão, conheço e uso óleo de babaçu, de coco, mas esses não são tão fáceis de encontrar aqui no Rio. E, claro, há os cremes vaginais que são necessários. Mas atenção: é preciso ter cuidado com os sabonetes íntimos. Esses que oferecem um PH muito ácido que acabam agredindo a parte genital. Eu uso sabonete líquido, daqueles de bebê, porque estamos numa fase delicada mesmo. Há uns (sabonetes em barra) que fazem propaganda e que são horríveis. Fujam desses sabonetes, por mais que se digam hidratantes.”

LIBIDO – “A alteração hormonal mexe também com a libido. Há medicamentos mais naturais que fazem a mulher recuperar a libido, a vontade de transar. Mas tem que ter acompanhamento médico. Acho a reposição hormonal boa, mas essa questão deve ser discutida entre o médico e a paciente. A dose para cada paciente tem que ser individualizada. Um atendimento personalizado. Nesse assunto não há uma regra.”

DICAS – “Nessa fase a mulher tem que estar atenta a três coisas: boa alimentação, bons pensamentos _ porque isso afeta o corpo _ e atividade física. Eu faço pilates e quero fazer hidro. Cada uma deve buscar a sua atividade. É uma hora importante para a mulher, que deve cuidar mais de si, se preparar para as mudanças e ver a oportunidade de transformação. ”

Veja aqui um vídeo com trechos da entrevista:

Angelina Nunes e Elvira Lobato

Angelina Nunes e Elvira Lobato

3 Comments

  • Jacqueline Tenório Silva

    Dra Fernanda é uma das profissionais que mais respeito e confio. Um ser humano incrível como vocês podem perceber neste post. Estou com ela há 30 anos e não dou um passo na minha vida (saúde) sem antes consultá-la. Parabéns pela entrevista, ela merece todo o nosso reconhecimento.

    30 de maio de 2017 em 10:00 am
  • Mônica Farisi

    Aos quase 50 anos e buscando dicas para viver melhor, encontrei o “mulheres50mais”…
    Amei a reportagem com a Dra. Fernanda e fico feliz comigo por ver que estou no caminho certo…cuidando da alimentação, cultivando bons pensamentos e fazendo atividade física.
    Não há como deter as mudanças, então…é melhor entendê-las, aceitá-las e procurar viver o melhor possível.

    31 de maio de 2017 em 10:08 am
  • Ana Lúcia

    Hoje pensando muito em na Drª Maria Fernanda por ser uma data muito especial para ela ( lembro muito bem ) e que infelizmente por mudanças na vida ter perdido o contato dela, fico muito emocionada em descobri esta entrevista. Médica maravilhosa e amiga fraternal, fez meu dois partos , recebendo os meus filhos com tanto amor e carinho excepcional . Fica aqui meu registro de gratidão e muito amor por esta pessoa que fez a diferença em minha vida .
    Na certeza que vou te encontrar em breve assim ,guardarei o meu abraço um tanto saudoso ,porém com as melhores vibrações de carinho para você querida Fernanda.

    13 de novembro de 2017 em 7:51 am

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